Impacto global do empréstimo de US$ 10 bilhões do Brasil ao FMI

O mais significativo é que esse aporte esteja sendo feito em meio à mais séria crise desde a Grande Depressão; na condição de credor, o Brasil terá mais autoridade e legitimidade para continuar pressionando pelas reformas que o organismo internacional requer

Paulo Nogueira Batista Jr. Diretor-executivo no FMI, onde representa nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago)

O Ministério da Fazenda anunciou na semana passada que o Brasil pretende contribuir com até US$ 10 bilhões para o financiamento do Fundo Monetário Internacional (FMI).
Veja bem, US$ 10 bilhões!

A minha vaidade nacional deu "arrancos triunfais de cachorro atropelado" (expressão de Nelson Rodrigues que eu já citei umas 500 vezes, no mínimo).

Confesso que, quando cheguei aqui, ao FMI, há pouco mais de dois anos, nunca poderia imaginar, nem nos meus sonhos mais delirantes, que o Brasil passaria a emprestar dinheiro ao Fundo.

Brasileiro é pobre e humilde ser, que tem recaídas recorrentes no "complexo de vira-lata" (Nelson Rodrigues, outra vez).

Não tem e nunca teve os modos, hábitos e cacoetes típicos do credor.
Durante quase toda a sua história, o Brasil foi devedor-nato, hereditário e, não raro, inadimplente, às vezes escandalosamente inadimplente.
Parece que estamos começando nova fase.

O significativo não é apenas que o Brasil empreste dinheiro ao Fundo, mas especialmente que isso esteja sendo feito em meio à mais séria crise econômica internacional desde a Grande Depressão da década de 1930.

O que se poderia esperar nessas circunstâncias?
Ora, que o Brasil recorresse ao Fundo.
Até o ano passado, havia essa expectativa aqui mesmo no FMI.
Esperava-se que o Brasil viesse a candidatar-se à nova Linha de Crédito Flexível, modalidade de financiamento sem as condicionalidades tradicionais, que foi criada recentemente pela Diretoria do Fundo.

Nada disso.
Em vez de o Brasil ir ao Fundo, o Fundo foi ao Brasil.
O Brasil não apenas não precisou pedir dinheiro ao FMI como tem condições de emprestar montante considerável de recursos à instituição.

Evidentemente, isso não seria viável se o país não tivesse posição econômica razoavelmente sólida e, em especial, se não tivesse acumulado, no período que antecedeu a eclosão da crise mundial, mais de US$ 200 bilhões em reservas internacionais.

A ideia do Brasil, em princípio, é contribuir mediante a compra de bônus ou notas emitidos pelo FMI.
A decisão final de efetuar o aporte de até US$ 10 bilhões ainda depende da definição pela Diretoria Executiva do Fundo das características desses bônus ou notas, assim como de outros mecanismos de financiamento.
A nossa cadeira no FMI está participando dessa definição.

Estamos buscando dois objetivos.
Primeiro, garantir que os mecanismos de financiamento (bônus e outros) tenham caráter temporário, servindo de ponte para a próxima revisão geral de cotas, que deve ocorrer até janeiro de 2011, como ficou acertado pelo G20 na cúpula de Londres.
A próxima revisão de cotas permitirá não só aumentar a base de recursos da instituição de forma permanente como também democratizar o FMI.
Segundo, os bônus e outros instrumentos de financiamento devem ser desenhados de forma a permitir que a contribuição constitua parte das reservas internacionais do país. Em outras palavras, os ativos emitidos pelo FMI devem ter liquidez, podendo ser imediatamente convertidos em moedas fortes, se necessário.

Acredita-se que essa discussão possa ser concluída em poucas semanas, permitindo a concretização do empréstimo brasileiro.
Como disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na condição de credor, o Brasil terá mais autoridade e legitimidade para continuar pressionando pelas reformas que o FMI requer.

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