Embaixada dos EUA envolvida em crime tríplice na Argentina

Diplomatas de Washington em Buenos Aires envolvidos em homicídios ligados a drogas e terrorismo; historiador norte-americano William Blum (foto) mostra Casa Branca, através da CIA e DEA, ativa no tráfico de ópio, cocaína e heroína, de 1947 a 1990, na Europa, Sudeste Asiático, Panamá, Austrália, América Central, Afeganistão e Haiti

A Embaixada dos Estados Unidos na Argentina e a anti-narcóticos dos Estados Unidos (DEA) aparecem envolvidas em tríplice crime cometido há quatro semanas na província de Buenos Aires, fato que tem ocupado espaços na mídia local.
Em meados de agosto, o jovem empresário Sebastián Forza e dois amigos apareceram crivados de balas em General Rodríguez, localidade da província de Buenos Aires, próxima a esta capital.
As investigações judiciais e policiais indicam que se tratou de tríplice homicídio vinculado ao narcotráfico, no qual aparecem comprometidos traficantes locais, colombianos e mexicanos; funcionários municipais de General Rodríguez e efetivos da polícia provincial portenha, segundo afirmou o jornal Crítica de la Argentina.
“Durante seus últimos meses de vida Sebastián Forza foi informante da DEA na Argentina. A agência de drogas dos Estados Unidos recrutara-o através do guarda-costas Julio César Pose. Pose é informante dos norte-americanos
e, como Forza, trabalhou para a SIDE (serviços de inteligência argentinos). Pose, conhecido como Gitano, esteve preso por tráfico de 80 quilos de cocaína em 2004. Nesse processo, a cargo do juiz federal Claudio Bonadío, confirmou-se seu vínculo com a DEA. Então, ele foi libertado”, informa o jornal Crítica de la Argentina.
Em 14 de agosto último, no dia seguinte ao aparecimento dos, três corpos fuzilados, Pose comunicou-se com a Embaixada dos Estados Unidos.
Em escuta telefônica que está no processo do tríplice crime, funcionário norte-americano disse a ele: "Fora da Argentina
você pode receber o crédito".
Pose responde: ‘"Ok, necessito o crédito e residência em Miami, por favor”.
Logo depois, Pose pediu autorização judicial
para sair do país, o que lhe foi negado.
O mesmo jornal informou sobre as relações de Pose com o atentado terrorista cometido há mais de 10 anos contra a sede da Associação Judaica em Buenos Aires (AMIA), fato que teve
repercussões internacionais de primeira magnitude e no qual aparece envolvido o governo do ex-presidente Carlos Menem.

EUA NO TRÁFICO MUNDIAL DE DROGAS
O historiador e professor universitário William Blum publicou levantamento sobre o envolvimento global do governo dos EUA, no incremento à produção e tráfico de estupefacientes, desde o final da 2ª Guerra Mundial, através da Agência Central de Inteligência (CIA, em inglês), da polícia anti-narcóticos dos EUA (DEA) e da diplomacia do país, sem a qual os agentes não poderiam operar.

A seguir o levantamento de Blum, autor do livro "Killing Hope: U.S. Military and CIA Interventions Since World War II".


1947 a 1951, FRANÇA
Segundo Alfred W. McCoy, autor de The Politics of Heroin: CIA Complicity in the Global Drug Trade e The Politics of Heroin: CIA
Complicity in the Global Drug Trade , as armas, o dinheiro e a desinformação da CIA permitiram aos sindicatos do crime corsos em Marselha arrebatarem o controle de sindicatos de trabalhadores ao Partido Comunista.
Os corsos ganharam influência política e controle sobre as docas – condições ideais para consolidarem parceria a longo prazo com distribuidores da máfia da droga, os quais transformaram Marselha na capital da heroína do mundo ocidental.
Os primeiros laboratórios de heroína de Marselha foram abertos em 1951, poucos meses depois de os corsos tomarem conta da zona portuária.

PRINCÍPIO DA DÉCADA DE 1950, SUDESTE ASIÁTICO
O exército nacionalista chinês, organizado pela CIA para travar guerra conta a China Comunista, tornou-se o barão do ópio e da heroína do Triângulo Dourado (partes da Birmânia, Tailândia e Laos).
A Air America, a principal companhia aérea de propriedade da CIA, transportava as drogas para toda a parte do Sudeste Asiático. (Ver Christopher Robbins, Air America, 1985, capítulo 9)

DA DÉCADA DE 1950 AO PRINCÍPIO DA DE 1970, INDOCHINA
Durante o envolvimento militar dos EUA no Laos e em outras partes da Indochina, a Air America transportava ópio e heroína por toda a parte.
Muitos soldados americanos no Vietnam ficaram viciados.

Era utilizado laboratório construído no centro de comando da CIA no Laos para refinar heroína.
Após uma década de intervenção militar americana, o Sudeste da Ásia tornou-se a fonte de 70% do ópio do mundo e o principal fornecedor de matérias-primas para o mercado de heroína em explosão dos EUA.

1973-80, AUSTRÁLIA
O Nugan Hand Bank de Sydney era banco da CIA em tudo, exceto no nome.
Entre os seus responsáveis estava rede de generais e almirantes dos EUA e homens da CIA, incluindo o antigo diretor agência William Colby, que era também um dos seus advogados.
Com agências na Arábia Saudita, Europa, Sudeste da Ásia, América do Sul e nos EUA, o Nugan Hand Bank financiou o tráfico de droga, lavagem de dinheiro e negócios internacionais de armas.
Em 1980, em meio a várias mortes misteriosas, para queimar arquivos, o banco entrou em colapso com dívida de US$ 50 milhões.
(Ver Jonathan Kwitny, The Crimes of Patriots: A True Tale of Dope, Dirty Money, and the CIA)

DÉCADAS DE 1970 E 1980, PANAMÁ
Durante mais de uma década, o homem forte do Panamá, Manuel Noriega, foi ativo e colaborador da CIA muito bem pago, apesar de as autoridades estado-unidenses de drogas saberem desde 1971 que o general estava pesadamente envolvido no tráfico de heroina e cocaina e lavagem de dinheiro.
Noriega facilitou vôos "armas-por-drogas" para os contras, proporcionando proteção e pilotos, bem como abrigos seguros para responsáveis pelo cartel da droga, e discretas facilidades bancárias.
Responsáveis dos EUA, incluindo o então diretor da CIA William Webster, e autoridadades do DEA (da polícia anti-narcóticos dos Estados Unidos) enviaram a Noriega cartas de agradecimento pelos esforços para impedir o tráfico de droga (embora só contra os concorrentes do seus patrões do Cartel de Medellin).
O governo dos EUA só se voltou contra Noriega, invadindo o Panamá em dezembro de 1989 e sequestrando o general depois de descobrir que ele fornecia informações e serviços aos cubanos e sandinistas.
Ironicamente, o tráfico de droga através do Panamá aumentou após a invasão dos EUA. (John Dinges, Our Man in Panama ; National Security Archive Documentation Packet The Contras, Cocaine, and Covert Operations.)

DÉCADA DE 1980, AMÉRICA CENTRAL
Séries de artigos no San Jose Mercury News documentam aspecto das operações entremeadas que ligam a CIA, os contras e os cartéis da cocaína.
Obcecada em derrubar o governo sandinista na Nicarágua, responsáveis da administração Reagan toleraram o tráfico de droga desde que os traficantes dessem apoio aos contras.
Em 1989, o Subcomité do Senado sobre Terrorismo, Narcóticos e Operações Internacionais (o comité Kerry) concluiu investigação de três anos declarando:
"Houve prova substancial de contrabando de droga através de zonas de guerra da parte de contras individuais, fornecedores dos contra, pilotos mercenários que trabalhavam com os contras, e apoios dos contra por toda a região... Responsáveis dos EUA envolvidos na América Central deixaram de tratar da questão da droga por receio de por em risco os esforços de guerra contra a Nicarágua... Em cada caso, uma ou outra agência do governo dos EUA tinham informação sobre o envolvimento com drogas... Autoridades dos EUA não foram imunes à ideia de que o dinheiro da droga era solução perfeita para os problemas de financiamento dos contra".
(Drugs, Law Enforcement and Foreign Policy, a Report of the Senate Committee on Foreign Relations, Subcommittee on Terrorism, Narcotics and Intemational Operations, 1989).
Na Costa Rica, que serviu como "Frente Sul" para os contras (Honduras sendo a Frente Norte), havia várias diferentes redes CIA-contra envolvidas no tráfico de droga.
Além daqueles que prestavam serviço à operação Meneses-Blandon pormenorizada pelo Mercury News, e da operação de Noriega, houve o operacional da CIA John Hull, cujas fazendas ao longo da fronteira da Costa Rica com a Nicarágua foram a principal área de treino para os contras.
Hull e outras autoridades que apoiavam os contra conectados com a CIA trabalhavam em conjunto com George Morales, grande traficante de droga colombiano com base em Miami que posteriormente admitiu dar US$ 3 milhões em cash e vários aviões aos líderes contra.
Em 1989, depois de o governo da Costa Rica processar Hull por tráfico de droga, a DEA contratou, clandestinamente e ilegalmente, avião para transportar o operacional da CIA para Miami, via Haiti.
Os EUA repetidamente obstruíram os esforços da Costa Rica para extraditar Hull de volta ao país a fim de ser julgado.
Outro grupo com base na Costa Rica envolvia cubano-americanos a quem a CIA havia contratado como treinadores militares para os contras. Muitos deles estavam há muito envolvidos com a CIA e o tráfico de droga.
Eles utilizaram aviões contra e uma companhia com sede na Costa Rica, que lavava dinheiro para a CIA, para transportar cocaína para os EUA.
A Costa Rica não era a única rota.
A Guatemala, cujo serviço de inteligência militar – estreitamente associado com a CIA – abrigava muitos traficantes de droga, segundo a DEA era outra estação ao longo da rota da cocaína.
Além disso, o contador de Miami do Cartel de Medellin, Ramon Milian Rodriguez, testemunhou ter canalizado cerca de US$ 10 milhões para os contras da Nicarágua através do antigo operacional da CIA Felix Rodriguez, o qual actuava na Base da Força Aérea de Ilopango, em El Salvador.
Os contras proporcionavam tanto protecção como infraestrutura (aviões, pilotos, pistas de decolagem, companhias de fachada e bancos) a estas redes de droga ligadas à CIA.
Pelo menos quatro companhias de transporte sob investigação para tráfico de droga receberam contratos do governo dos EUA para transportarem abastecimentos não letais para os contras.
A Southern Air Transport, antigamente de propriedade da CIA, e depois sob contrato do Pentágono, também estava envolvida no transporte de droga.
Aviões carregados de cocaína voaram para a Flórida, Texas, Lousiana e outros locais, incluindo várias bases militares designadas como "Contra Craft".
Estes carregamentos não eram inspeccionados.
Quando alguma autoridade não estava ciente e fazia prisão, influências poderosas eram postas em marcha a fim de abafar o caso, libertar, reduzir a sentença ou a deportação.

DÉCADA DE 1980 AO PRINCÍPIO DA DE 1990, AFEGANISTÃO
A CIA apoiou os Moujahedeen pesadamente ligados ao tráfico de droga enquanto combatiam o governo apoiado pelos soviéticos e os seus planos para reformar a muito atrasada sociedade afegã.
O principal cliente da agência era Gulbuddin Hekmatyar, um dos principais senhores da droga e o principal refinador de heroína.
A CIA forneceu caminhões e mulas, as quais após carregarem armas para dentro do Afeganistão, eram utilizadas para transportar ópio para laboratórios ao longo da fronteira afegã-paquistanesa.
A produção abastecia a metade da heroína usada anualmente nos Estados Unidos e três quartos daquela usada na Europa Ocidental.
Responsáveis dos EUA admitiram em 1990 que não haviam investigado ou atuado contra a operação da droga pelo desejo de não ofenderem seus aliados paquistaneses e afegãos.
Em 1993, responsável da DEA denominou o Afeganistão como a nova Colômbia do mundo da droga.

MEADOS DA DÉCADA DE 1980 A 1990, HAITI
Enquanto trabalhava para manter no poder líderes políticos e militares haitianos, a CIA fechava os olhos ao tráfico de droga dos seus clientes.
Em 1986, a agência acrescentou mais alguns nomes à sua folha de pagamentos ao criar nova organização haitiana, o National
Intelligence Service (SIN).
O SIN foi criado alegadamente para combater o comércio de cocaína, embora os próprios responsáveis do SIN empenharem-se no tráfico, com a cumplicidade de líderes militares e políticos haitianos.

O original em inglês desta pesquisa do historiador William Blum encontra-se em
http://revolutionradio.org/2008/08/30/the-real-drug-lords/

O texto em português completo sobre a suspeito de participação da Embaixada dos EUA no tríplice homicídio em Buenos Aires encontra-se em
http://www.viapolitica.com.br/fronteira_view.php?id_fronteira=186

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