EUA: colapso do crédito, bolha da dívida e cancro da desregulamentação excessiva

O Fed e a SEC nada fizeram para prevenir o crescimento da dívida a ponto de esmagar a economia

Rodrigue Tremblay
Professor de Economia na Universidade de Montreal.
Autor dos livros The New American Empire e The Code for Global Ethics


Quando o presidente do Fed, Ben Bernanke , diz que a situação econômica está pior, é melhor que se acredite nele.
De fato, os mercados de crédito nos EUA estão para entrar em colapso e não se vê quando isto acabará, muito menos quando reverterá.

1- Os principais indicadores da economia dos EUA estão em queda;

2- O sentimento de confiança do consumidor está em queda e as retiradas sobre hipotecas secam

3- Os números do emprego caem

4- O relatório de janeiro deste ano o setor de serviços indica que a atividade contraiu-se no princípio do ano pela primeira vez em 58 meses

5- O número de novos desempregados é perigosamente elevado

6- A crise habitacional ganha vapor; os banco têm de colocar nos seus balanços perdas cada vez mais elevadas devido às subprimes, minando portanto as suas bases de capital; muitos deles estão sendo conduzidos à beira da insolvência;

7- As agências de classificação de crédito estão sob controle
8- Os títulos de companhias de garantia de seguros estão em vias de perder as suas classificações triplo A e algumas companhias estão à beira da bancarrota
9- O mercado de títulos municipais, com US$ 2,6 trilhões está prestes a mergulhar na crise
10- O mercado corporativo dos empréstimos alavancados está desbaratado
11- O mercado de mais de US$ 1 trilhão de hipotecas e títulos apoiados em dívidas pode entrar em colapso completo se os maiores segurados de hipotecas estado-unidenses continuarem a sofrer perdas lancinantes
12- Grandes hedge funds estão a perder dinheiro em escala elevada e estão a sofrer corrida sobre os seus ativos
13- Nos EUA, a dívida total em percentagem do PIB é superior a 300%, nível récorde (N.B.: em 1980 era 125%!)
14- E, finalmente, o mercado à escala mundial de trilhões e trilhões de dólares em derivativos poderia implodir a qualquer momento, se muitas instituições financeiras quebrarem nos próximos meses, pois a maior parte destas transações são negócios inter-instituição.
Há uns poucos fatos positivos isolados, como a reação do setor manufatureiro retomando atividades, pois o dólar desvalorizado estimula as exportações, mas o quadro econômico global permanece negro, evidenciando a capacidade de resistência da economia dos EUA.

Toda esta confusão começou no princípio dos anos 2000, e mesmo muito antes no principio dos anos 1980 quando Fed e a SEC adotaram abordagem de não tocar nos mercados financeiros, guiados pela nova religião econômica de que "os mercados não podem errar".

O que estamos testemunhando é o fracasso de aproximadamente trinta anos das chamadas políticas econômicas conservadoras a cavaleiro da dívida e da desregulamentação.
Deve-se entender que o recente problema da subprimes começou realmente em 2000, quando a agência de classificação de crédito Standard & Poors emitiu pronunciamento afirmando que o financiamento hipotecário de casas "montado nas costas" ("piggyback"), quando segunda hipoteca é tomada para pagar a entrada da primeira hipoteca, provavelmente não conduziria a mais inadimplências do que mais hipotecas padrão.
Isto encorajou instituições de empréstimos hipotecários a relaxarem as suas práticas de empréstimos, indo tão longe como emprestar sobre hipotecas com nenhum pagamento inicial de qualquer espécie, e até mesmo adiar pagamentos de capital e juros por algum tempo.
E com o Fed e a SEC a olharem para o outro lado, omitindo-se, foi dado passo fatal.
Os bancos e as suas subsidiárias decidiram seguir novas regras tóxicas e arriscadas de operação bancária.
Na verdade, apesar de os bancos tradicionalmente tomarem emprestado a curto prazo e concederem empréstimos a longo, eles deram novo passo gigantesco: começaram a transformar empréstimos a longo prazo, tais como hipotecas, empréstimos para carros, estudantes, etc em empréstimos a curto prazo.
Realmente, os bancos caíram no negócio do alquimista de entrouxar juntos empréstimos a prazos relativamente longos dentro de pacotes que cortaram às fatias dentro de instrumentos de crédito mais pequenos que tinham todas as características de papel comercial a curto prazo, mas estavam a carregar rendimentos mais elevados.
Os bancos então venderam estes novos structured investment vehicles (SIVs), por comissão, a toda espécie de investidores que estavam à procura de rendimentos mais altos do que as magras taxas que estavam a pagar as alternativas.
E, uma vez que os bancos estavam por trás destes novos activos financeiros, as agência de créditos deram-lhes uma classificação AAA, o que permitiu aos fundos de pensão regulados e às companhias de seguros investirem neles, acreditando que eram tanto seguros como líquidos; ficaram prontos para choque.

Quando a bolha imobiliária explodiu, o valor dos ativos reais por trás dos novos instrumentos financeiros começou a declinar, puxando o tapete para fora dos asset-backed paper market (ABCP) que estavam por baixo, os quais tornaram-se ilíquidos e tóxicos.

Como praticamente não há qualquer comercialização com os novos instrumentos, ninguém sabia o verdadeiro valor do papel, e portanto ninguém e estava desejoso de comprá-lo.

Esta crise de confiança agora permeou outros mercados de crédito e ameaça todo o sistema financeiro à medida que o contágio se propaga.

Ainda em 2003-2004, o então presidente do Fed, Alan Greenspan, não era o menos preocupado com a bolha da hipoteca imobiliária financiada pela subprime mas estava ao contrário a encorajar pessoas a sacarem hipotecas com taxa ajustável, apesar de as taxas de juro estarem em baixa e estarem prestes a aumentar.
Mesmo no fim de 2006, o recém nomeado presidente do Fed, Ben Bernanke, manifestou não estar preocupado com a bolha imobiliária, dizendo que preços elevados eram apenas um reflexo de economia forte.
Note bem, isto aconteceu mais de um ano depois de o mercado imobiliário ter atingido o pico, no verão de 2005.
A história registrará que o Fed e a SEC nada fizeram para prevenir a pirâmide da dívida de atingir os níveis perigosos a que chegou e que está agora esmagando a economia.
Em espaço de tempo mais longo, quando se olha o gráfico fornecido pelo Bureau of Economic Analysis (BEA) dos EUA que mostra a importância das dívidas pendentes (corporativas, financeiras, governamentais e mais as pessoais) em relação à economia, fica-se impressionado pelo fato de que este rácio permaneceu em torno dos 1,2 do PIB durante décadas.
Então, alguma coisa grande aconteceu no princípio da década de 1980, e o rácio começou a ascender, apenas com ligeira pausa nos meados da década de 1990, até atingir o atual nível com falta de ar de 3,1 vezes do PIB, aproximadamente 200% mais do que costumava ser.
A adopção de cortes fiscais maciços a par com políticas de gastos deficitários do governo, e políticas de desregulamentação, por parte de Reagan e subsequentes administrações republicanas, culminando tudo em modo grotesco sob a atual administração, contribuiu maciçamente para esta bolha da dívida sem precedentes.
Levou muitos anos para construir a pirâmide da dívida, e levará muitos anos para desfazê-la e reduzir esta montanha acumulada de dívida a dimensão mais administrável.
Este é o grande quadro por trás desta crise, que é muito maior do que a crise das caixas econômicas (S&L) na década de 1980, a qual parece diminuta em comparação com a atual.

Eis porque penso que esta crise vai prolongar-se pelo menos mais uns poucos anos, possivelmente até 2010-2011.

Rodrigue Tremblay é responsável pelo site
www.thenewamericanempire.com
e pelo blog
www.thenewamericanempire.com/blog

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