Avançam as investigações sobre a morte do ex-presidente João Goulart por suposto envenenamento

Ex-agente uruguaio e Justiça italiana dão ao Brasil oportunidade de desvendar mais crimes da Operação Condor, nos anos 70 e 80

O governo brasileiro atua fortemente sobre duas grandes oportunidades de esclarecimento de crimes cometidos, no Brasil, pela Operação Condor, com a cumplicidade do serviço de informação e espionagem dos EUA (CIA): a recente denúncia de assassinato por envenenamento do ex-presidente João Goulart, em 1976, e a emissão de ordem de prisão pela Justiça italiana, que quer processar altas autoridades em sete países sul-americanos (inclusive Brasil) por atuação secreta, nos anos 70 e 80, de forças de segurança da região, para reprimir e eliminar a oposição política de esquerda.
Quanto à denúncia de assassinato de Jango, o fato relevante é o depoimento de Mario Neira Barreiro, ex-agente do serviço de informação e espionagem do Uruguai, que está preso desde 2003 na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas, no Rio Grande do Sul, por roubo, formação de quadrilha e posse ilegal de armas.
Segundo ele, Sérgio Paranhos Fleury (morto em 1979), então delegado do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), fazia a ligação entre o governo uruguaio e brasileiro.
Barreiro diz que Fleury ordenou a morte do ex-presidente, em reunião no Uruguai com dois comandantes da equipe Centauro, do qual o próprio Barreiro fazia parte.
Barreiro afirma que Jango foi envenenado com cloreto desidratado transformado em comprimido e colocado em meio aos medicamentos que ele tomava para o coração.
Esse veneno, que acelera o fluxo sangüíneo, provocando hipertensão, leva a derrame ou a infarto.
Durante 48 horas, vestígios ficam no organismo; segundo Barreiro, foi por isto que houve a proibição de autópsia, por parte dos governos argentino e brasileiro; a morte de Jango foi divulgada como decorrente de parada cardíaca.

Barreiro, que tinha como missão espionar Jango, o que fez por quatro anos, diz que o ex-presidente teria morrido envenenado a pedido do então presidente do Brasil, general Ernesto Geisel.

Com base nesse depoimento, os filhos de Jango – João Vicente Goulart e Denize Goulart – ingressaram no Ministério Público com ação de pedido de abertura de inquérito civil para que as circunstâncias da morte do ex-presidente voltem a ser investigadas.

João Vicente Goulart fez questão de estar com Barreiro, acompanhando equipe da TV Senado que produzia documentário sobre Jango.

No encontro, ele identificou-se como filho de Jango e o ex-agente uruguaio, impressionado com a sua presença, começou a falar, reforçando as denúncias, cujos detalhes impressionaram João Vicente.

Documentos repassados ao filho do ex-presidente demonstram que agentes infiltrados na fazenda monitoravam Jango 24 horas por dia.
O fato de outros políticos
de esquerda sul-americanos depostos terem sido eliminados dá veracidade ao depoimento de Barreiro.
O general Carlos Prats, comandante-em-chefe do Exército do Chile no governo Salvador Allende, foi morto em atentado a bomba em Buenos Aires em 1974; o ex-ministro do Interior e da Defesa do Chile Orlando Letelier teve morte semelhante em Washington, em 1976; o ex-presidente chileno Eduardo Frei Montalva morreu em 1982 por envenenamento com gás mostarda.

O ex-exilado político e ex-deputado federal Neiva Moreira lembra seu primeiro contato com a Operação Condor e oferece testemunho: o nome de Jango estava em lista de inimigos das ditaduras sul-americanas a serem assassinados; Neiva conheceu a relação através de diplomata hispano-americano, na Argentina.

– Circulava profusamente essa relação na qual constavam dois senadores do Uruguai e militares bolivianos e brasileiros, democratas e opositores às ditaduras, assassinados depois. (...) O que se pode afirmar, porque se tornou público, é que o nome de João Goulart freqüentava aquela lista sinistra – garante Neiva Moreira.
João Vicente Goulart afirma que até agora, o esforço para a apuração das coisas tem sido familiar e pessoal, mas, daqui para a frente, não há mais muito em que a família possa avançar.
Na ação, João Vicente sugere que o Ministério Público tire Barreiro do Rio Grande do Sul e o transfira para Brasília, onde ele poderia narrar tudo o que sabe e esclarecer não apenas o caso relativo ao seu pai mas as circunstâncias do desaparecimento de outras pessoas durante as ditaduras sul-americanas.
"Barreiro pode ser um dos últimos elos vivos dessas ações", diz João Vicente.

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, disse, no início deste mês de fevereiro, que o ministro da Justiça, Tarso Genro, informou-lhe que prosseguem as investigações sobre as circunstâncias da morte de Jango e que em breve as conclusões devem ser divulgadas.

Genro confirmou a informação, através de sua assessoria de imprensa.

“Se a conclusão for de que houve mesmo envenenamento, nós temos que fazer a apuração criminal dos assuntos”, disse Britto.

Também o Senado, através da Comissão de Direitos Humanos, decidiu realizar audiências públicas para discutir o que seriam novas informações sobre a Operação Condor e a morte de Jango, atendendo a requerimento do senador brasiliense Cristovam Buarque; e, além da Câmara, por iniciativa do deputado Miro Teixeira, a Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul investiga a verdadeira história por trás do suposto assassinato de Jango.

Nesse cenário, não há porque deixar de colocar nesse rol de assassinatos da Operação Condor a morte de outro inimigo das ditaduras sul-americanas, Juscelino Kubischek, que morreu em suposto acidente de carro, no período mais negro do regime militar brasileiro.

Itália emite ordem de prisão

Em relação à investigação da Justiça italiana sobre a Operação Condor, no final de dezembro, a juíza Luisianna Figliolia, em Roma, emitiu ordem de prisão para 143 suspeitos de envolvimento na operação, incluindo 11 brasileiros, 61 argentinos, 32 uruguaios, 22 chilenos e cidadãos de outros países buscando processá-los em conexão com o desaparecimento forçado de 25 cidadãos italianos.

Segundo a denúncia, sete países ajudaram-se uns aos outros a localizar, transportar, torturar e, por fim, fazer desaparecer dissidentes por suas fronteiras, e até colaboraram em operações de assassinato na Europa e nos EUA.

A operação, dizem os historiadores, lembra o programa moderno, executado pela CIA, no Oriente Médio, de rendição e seqüestro de supostos terroristas.

O procurador da República italiano Giancarlo Capaldo pediu a colaboração do governo do Brasil para interrogar e facilitar a extradição de brasileiros acusados de envolvimento na Operação Condor.
"Assim como os parentes têm o direito de saber porque as vítimas da ditadura desapareceram, é importante que os culpados paguem por seus erros, mesmo que seja 20 ou 30 anos depois", diz Capaldo, no Tribunal de Justiça de Roma.

"Esse processo nasceu na Itália porque os países unidos em torno da Operação Condor decidiram não abrir investigações sobre o assunto. A Itália está fazendo o possível para evitar a impunidade e para que operações como essa não voltem a acontecer", afirma o procurador.

Os brasileiros com pedidos de prisão por parte da Itália são
Carlos Alberto Ponzi - ex-chefe do SNI em Porto Alegre;
Agnello de Araújo Britto - ex-superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro; Antônio Bandeira - ex-comandante do 3º Exército;
Henrique Domingues - ex-comandante do Estado Maior do 3º Exército;
Luís Macksen de Castro Rodrigues - ex-superintendente da Polícia Federal no Rio Grande do Sul;
João Leivas Job - ex-secretário de Segurança no Rio Grande do Sul;
Átila Rohrsetzer - ex-diretor da Divisão Central de Informações;
Marco Aurélio da Silva Reis - ex-diretor do Dops no Rio Grande do Sul;
Octávio de Medeiros - ex-ministro do Serviço Nacional de Informações;
Euclydes de Oliveira Figueiredo Filho - ex-diretor e comandante da Escola Superior de Guerra e irmão do ex-presidente Figueiredo;
Edmundo Murgel - ex-secretário de Segurança no Rio de Janeiro.

O processo chegou a conter quase 200 acusados, mas foi diminuindo porque, ao longo dos anos, muitos acabaram morrendo – como o ex-presidente João Baptista Figueiredo, que governou o Brasil entre 1979 e 1985, e o ex-presidente chileno Augusto Pinochet.

O procurador disse que deve pedir ao Ministério da Justiça da Itália que formalize os pedidos de extradição para que os acusados possam ser julgados na Itália.

As investigações na Itália começaram em 1999, com base em denúncias apresentadas por familiares de 25 italianos que desapareceram no período da repressão de regimes militares na América Latina.

"A Itália não quer passar por cima da soberania de nenhum país. Se forem abertos processos contra essas pessoas, ficaremos muito felizes que elas sejam julgadas em seus países de origem", disse o procurador.

O Exército brasileiro informou que não vai se pronunciar sobre o caso, que está sob tutela do Ministério da Justiça.

O ministro da Justiça, Tarso Genro, afirmou que a Constituição não prevê a extradição de brasileiros para outros países, mas nem por isto os militares e policiais acusados de envolvimento no seqüestros e assassinatos,durante a Operação Condor estão livres de prestar contas à Justiça.

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