Trágica queda no envio de dinheiro de emigrantes para América Latina

A redução nas remessas ameaça famílias de médio e escassos recursos, especialmente em nações onde esse dinheiro representa proporções importantes do produto interno bruto

Patrícia Grogg

Com a colaboração de Diego Cevallos (México), Raúl Gutiérrez (São Salvador) e Valeria Villardo (Santo Domingo)
Da agência Inter Press Service (IPS)

Para algumas famílias, a contração das remessas enviadas por emigrantes pode significar não comer por alguns dias, “assim, simples e trágico”, disse à IPS o pesquisador em questões migratórias Gabriel Polanco, da Universidade Autônoma do México.
A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) prevê queda moderada nas remessas familiares de dinheiro para a região.
Mas, seu impacto pode ser maior em países como El Salvador, República Dominicana ou México, primeiro receptor latino-americano desses recursos. Segundo Polanco, ainda não há dados nem evidências de que a redução já esteja gerando problemas sociais importantes.
“Mas, se o ciclo continuar, é possível que logo comecemos a senti-lo e vê-lo em algumas estatísticas”, alertou.
A redução já começou a se refletir em cifras. Dados preliminares do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) indicam que as remessas em alguns países da região caíram até 13% em janeiro.
Segundo a instituição, 2009 será o primeiro ano de queda, após uma década de crescimento contínuo desses fluxos de divisas.

No México, o montante das remessas, fundamentalmente desde os Estados Unidos, registrou queda de 4,9% no primeiro trimestre de 2009 em relação a igual período de 2008.
No ano passado, o total dessas transferências privadas recebidas neste país somou US$ 25,145 bilhões, ou 2,5% do PIB nacional.
Segundo o BID, em volume de remessas, o México lidera a lista seguido de Brasil (US$ 7,2 bilhões), Colômbia (US$ 4,842 bilhões), Guatemala (US$ 4,314 bilhões), El Salvador (US$ 3,788 bilhões), República Dominicana (US$ 3,111 bilhões), Peru (US$ 2,960 bilhões), Equador (US$ 2,822 bilhões) e Honduras (US$ 2,701 bilhões).
Especialistas afirmam que a recessão dos Estados Unidos, as dificuldades dos imigrantes para encontrar emprego, o endurecimento da fiscalização nos locais de trabalho e a maior vigilância na fronteira influirão na esperada contração das remessas para este ano e os seguintes, se a crise econômica se aprofundar.
Em El Salvador, isto provocará situação “dramática” nos lares receptores mais pobres, já que obrigará a “focar ainda mais no consumo de gêneros de primeira necessidade”, sobretudo alimentos, disse à IPS o sociólogo Juan José García, especialista em migração e remessas.

A salvadorenha Maria Hernández começou a sentir há alguns meses o peso da crise. Com dois filhos residentes nos Estados Unidos, ela contava com ajuda mensal entre US$ 400 e US$ 500, que cessou em outubro de 2008.
“O envio de dinheiro parou. Felizmente, estou acostumada a trabalhar”, contou à IPS.
Nesse país centro-americano as remessas recebidas por 381.700 famílias – equivalentes a 27% da população – são destinadas quase completamente à alimentação, vestuário, pagamento de serviços básicos, educação e saúde.
As mulheres encabeçam 52% das famílias receptoras.

Também na República Dominicana a maioria das famílias beneficiarias de remessas tem mulher como chefe.
“A cada mês minha filha envia US$ 150. Este dinheiro eu uso para pagar a escola de outros quatro filhos, comprar comida e melhorar minha casa”, contou à IPS Elida Jiménez, de 55 anos.
A redução vai afetar 73.650 famílias dominicanas que deixaram de receber remessas em 2009, piorando suas condições de vida, especialmente nas famílias com chefia feminina. As mulheres têm protagonismo nos dois extremos do fenômeno. As imigrantes bolivianas na Espanha enviam por ano ao seu país o equivalente a 5,95% do PIB nacional, centro do Centro de Pesquisa e Cooperação Especializado em Remessas de Imigrantes, da Espanha.

Em Cuba, o impacto da crise global será “suavizado” pelas recentes medidas do governo norte-americano de Barack Obama, afirmam pesquisadores.
Em 2004, o presidente George W. Bush limitou a uma vez a cada três anos as viagens de cubanos residentes nos Estados Unidos para a ilha e ao máximo de US$ 300 trimestrais as remessas para seus familiares diretos.
Obama eliminou os tetos das quantias e das freqüências e ampliou o espectro de receptores aos parentes até terceiro grau.
“Talvez, pela crise, não haja aumento no curto prazo, mas também se prevê redução. Creio que não haverá maior impacto do que o já registrado a partir de 2004”, disse à IPS um economista cubano que pediu para não ser identificado.

Em sua opinião, qualquer que seja o volume, as remessas representam dinheiro para o país. Devido ao componente ideológico do conflito com os Estados Unidos, as autoridades cubanas evitam os dados estatísticos sobre a quantia enviada anualmente, a maior parte desde esse país onde residem mais de um milhão de imigrantes cubanos.
Baseando-se em cálculos sobre vendas da rede comercial em divisa livremente conversível (CUC), que abastece alimentos, utensílios domésticos, roupa, calçados e eletrodomésticos, economistas estimam em mais de US$ 1 bilhão a quantia anual das remessas por cubanos.

O centro de estudos Diálogo Interamericano, com sede em Washington, fala de US$ 830 milhões a US$ 985 milhões, dos quais 53% provenientes dos Estados Unidos, 23% da Espanha e 24% de outros países.
Cerca de 40% das remessas desde os Estados Unidos chegam por meios alternativos, uma informalidade alimentada pelas restrições de Bush e pela taxação em 20% que o governo cubano aplica ao dólar norte-americnao.
“A Western Union me tira muito”, queixou-se uma mulher que acabava de fazer uma transferência através dessa empresa.
Por sua vez, Maria, de 75 anos, conta que “minha filha entrega US$ 125 em Miami e recebo aqui 100 CUC”, ao explicar como funcionam as transferências informais.
“Não sei, é como uma agência ou negócio particular”, acrescenta. Com esse dinheiro ela compra no “shopping” (loja em divisas) e atente os “gastos da casa”.
Ao que parece, essas redes funcionam de maneira semelhante às transferências eletrônicas de empresas como a Western Union: alguém recebe o dinheiro nos Estados Unidos e avisa seu “agente” em Cuba para entregar à pessoa indicada a quantia equivalente em CUC.

Na República Dominicana, apenas 10% das remessas chegam por via bancária, e o restante por viajantes e “agentes”, disse à IPS uma fonte do Banco Central. Os custos das transferências bancárias são de US$ 50.
O Banco Mundial calcula que o envio de US$ 200 dos Estados Unidos para uma localidade mexicana tenha o custo médio de US$ 11,6. A principal via de entrada desses fundos no México é a Western Union. Dados do Banco Central salvadorenho indicam que quase 76% das remessas chegam pelo sistema bancário e o restante por correios privados e levados por outras pessoas.

Estudos acadêmicos sobre política social em Cuba mostram que as remessas se concentram em boa parte na população branca e de classe média. São parte de uma estratégia de sobrevivência e elevação da renda dentro da família devido à crise econômica dos anos 90.
O economista cubano Pedro Monreal chegou à conclusão de que as remessas são “um fator decisivo para atenuar o empobrecimento” de vários setores da população cubana e importante fonte de renda para o orçamento estatal, através de impostos indiretos.

Mas a maneira como essas transferências articularam-se na economia ajudou “à estratificação do consumo, a segmentação dos mercados e a exclusão social”, alerta Monreal em seu estudo “Migrações e remessas familiares. Vinte hipóteses sobre o caso de Cuba”, divulgado pelo escritório da IPS em Havana.

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