Soberania alimentar: a agricultura local pode livrar o mundo da crise

Mais de 2,5 bilhões de pequenos produtores, pastores e pescadores artesanais são responsáveis por 80% da comida consumida no mundo
Michel Pimbert (foto), diretor do Programa de Agricultura Sustentável, Biodiversidade e Subsistência do Instituto Internacional para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (IIED), com sede em Londres, afirma que, a não ser que os pequenos produtores agropecuários e suas organizações assumam o comando sobre a produção e a distribuição de alimentos, a crise deverá se aprofundar nos próximos tempos, com crescimento vertiginoso da miséria, subnutrição e fome no planeta.
Segundo ele, ao contrário do que se pensa, não é preciso grandes somas de dinheiro ou novas e milagrosas tecnologias para sair desse impasse.
"Basta que as comunidades tradicionais e a sociedade civil, através de movimentos e ações locais, recebam apoio para (re)descobrir em sua própria cultura e região as ferramentas que contribuem com a sustentabilidade e o desenvolvimento de todos. Numerosas iniciativas comprovam que colocar em prática a soberania alimentar dá certo", diz o estudioso.
Leia a seguir a entrevista de Pimbert à repórter Clarinha Glock, para a Revista Vida Simples.

Como os pequenos produtores podem ajudar a diminuir a crise de alimentos?
Michel Pimbert – Assumindo o papel de gerenciamento, regulamentando o acesso aos alimentos e aos recursos, bem como a administração de sistemas de alimentação. O fim da fome e da desnutrição vai depender do apoio que essas instituições receberão em nível local através de políticas específicas, subsídios apropriados e medidas para proteger os mercados locais e nacionais da concorrência da comida barata importada de outros lugares. O desafio é ampliar em escala e difundir as soluções encontradas em cada lugar, revertendo políticas que, na prática, impedem que essas organizações realmente assumam o controle da economia e da ecologia na área de alimentos.

Qual a importância da valorizacão da cultura local?
Michel Pimbert – Precisamos considerar a cultura e a diversidade regional para encontrar respostas adequadas à múltipla crise ecológica e social dos sistemas de alimentação industrial. Exemplo: em Cusco, no Peru, os índios da comunidade quíchua usam suas tradições para reorganizar e fortalecer o sistema local de alimentos e continuar produzindo grande variedade de batatas e outros alimentos típicos dos Andes. O conhecimento dos costumes e das leis dos antepassados ajuda a administrar a área de montanhas em que vivem e a compartilhar os benefícios do trabalho coletivo. Ao mesmo tempo, essas comunidades indígenas estão abertas para o que o mundo moderno pode oferecer. Elas usam a tecnologia do vídeo digital e da teleconferência para se comunicar com outras comunidades e o mundo de fora.

Como surgiu o conceito de soberania alimentar e qual seu significado?
Michel Pimbert – O conceito surgiu pela primeira vez pela Via Campesina, em 1996. A Via Campesina é um movimento internacional que coordena organizações camponesas de pequenos e médios agricultores em todo o mundo. Basicamente, a soberania alimentar é o direito dos povos e das pessoas de decidirem sobre sua própria política agrícola e alimentar; de proteger e regular a produção agrícola doméstica e o comércio com o objetivo de desenvolvimento sustentável; de determinar o quanto querem ser autossuficientes.


Por que os governos, em geral, não apoiam essas pequenas organizacões?

Michel Pimbert – Como o poder ficou mais centralizado nas mãos do Estado e de corporações, o papel exercido pelos cidadãos tem sido marginalizado e diminuído em importância. Convencer os governos a dar mais espaço para as organizações locais depende, em parte, de torná-los mais conscientes da tremenda contribuição social, econômica e ambiental dessas organizações envolvidas no sistema de alimentação. Mas a transformação também depende claramente de uma afirmação maior dos cidadãos de que eles têm o direito de decidir que tipo de políticas agrícolas eles querem, que comida querem comer, e como organizar e inspecionar a administração de sistemas de alimentação.


Que lugares já conseguiram implantar a soberania alimentar?
Michel Pimbert – A soberania alimentar foi adotada pelos governos de Mali (oeste da África), Equador, Bolívia e Nepal. Esses governos estão agora buscando reformas em leis agrárias, novas pesquisas e treinamento. Muitos obstáculos precisam ser superados e as mudanças são lentas. Em nível local, existem exemplos de iniciativas em que produtores de pequena escala e consumidores urbanos estão reinventando os sistemas de alimentação. Na publicação, cito as ecovilas da Escócia, onde organizações locais administram sistemas integrados de alimentação, energia, água e lixo para reduzir os impactos sobre o meio ambiente e melhorar o bem-estar da população.
O que a comunidade precisa fazer para se engajar na busca da soberania alimentar? Michel Pimbert – O mais importante é primeiro construir e fortalecer as organizações locais e desenvolver sua própria visão de que tipo de comida, agricultura e paisagens elas querem. Depois, é necessário basear a produção local e a distribuição no uso de recursos disponíveis em cada lugar (por exemplo, a biodiversidade local, a energia solar, o conhecimento popular). Também é preciso assegurar que a ajuda externa (de governo, cientistas e outros profissionais) seja pautada no diálogo respeitoso em acordos negociados sobre funções, direitos e responsabilidades dos diferentes atores. Por último, ligar- se a outras organizações locais para formar federações maiores que possam exercer o poder de transformar as políticas agrícolas.

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