É preciso manter os olhos abertos com a mídia da elite

Dois nomes importantes da equipe que governará os EUA representam a negação dos desejos dos eleitores de Obama: o vice-presidente, Joe Biden, é arrogante promotor da guerra e sionista; Rahm Emanuel, futuro todo-poderoso chefe de gabinete da Casa Branca, serviu no exército israelense e se opõe a qualquer justiça aos palestinos

Por John Pilger
Jornalista e documentarista australiano

A minha primeira visita ao Texas foi em 1968, no quinto aniversário do assassínio em Dallas do presidente John F Kennedy.
Guiei para sul, seguindo a linha de postes de telégrafo até à pequena cidade de Midlothian, onde conheci Penn Jones Jr, editor do Midlothian Mirror.
Exceto o seu sotaque arrastado e as suas belas botas, tudo em Penn era a antítese do estereótipo texano.
Depois de revelar os racistas da John Birch Society, a sua gráfica e sede do jornal foram repetidamente atacadas com bombas incendiárias.
Apesar de tudo, semana após semana,
Penn Jones Jr reuniu provas e mais provas que quase demoliram a versão oficial do assassinato de Kennedy.
Isto era jornalismo tal como existira até ter sido inventado o jornalismo empresarial – antes de terem sido montadas as primeiras escolas de jornalismo e difundir-se mitologia de neutralidade liberal à volta daqueles cujo "profissionalismo" e "objetividade" acarretam a obrigação de assegurar que as notícias e opiniões estão alinhadas com o consenso da elite, pouco importando a verdade.
Jornalistas como Penn Jones, independentes do poder dominante, infatigáveis e com princípios, frequentemente refletem os pensamentos do norte-americano comum, pensamentos estes que raramente são mostrados pelos estereótipos promovidos pela imprensa corporativa nos dois lados do Atlântico, ou seja, nos EUA e na Europa.
O livro "American Dreams: Lost and Found", do magistral Studs Terkel, que morreu a 31 de outubro, mostra essa vontade do norte-americano comum, que a grande imprensa omite.
As pesquisas documentam que maioria da população tem visão esclarecida e acredita que o governo devia cuidar daqueles que não podem proteger-se a si próprios, mostram que estes cidadãos estão dispostos a pagar impostos mais altos para serviço de saúde universal, que apoiam o desarmamento nuclear e que querem as tropas norte-americanas fora dos países de outros povos.
Mas, regressando ao Texas, sou novamente surpreendido por gente que pensa que a sua é a melhor sociedade do mundo e que todos os meios são justificados, incluindo as guerras e o assassinato de milhares de inocentes, para manter essa superioridade.
Este é o significado implícito do discurso de Barack Obama.
Diz ele que quer aumentar o poder militar dos EUA e ameaça desencadear nova guerra no Paquistão, matando ainda mais gente de pele escura.
Nova guerra no Paquistão provocará lágrimas, mas
estas não serão mostradas pela grande imprensa ao contrário das que se viu na noite das eleições, quando milhares de pessoas apareceram chorando nas mídias, emocionadas com a vitória de Obama.
Não se trata de duvidarmos da sinceridade sentida pelas pessoas quando da eleição de Obama, que ocorreu pelas mesmas razões pelas quais centenas de milhares de emails foram enviados à Casa Branca e ao Congresso contra o salvamento (bailout) da Wall Street, quando a fraude financeira foi revelada, e pelas mesmas razões que mobililzaram em manifestações a maioria dos norte-americanos farta de guerra.
Há dois anos, este voto anti-guerra elegeu maioria dos democratas no Congresso e viu estes democratas entregarem mais dinheiro a George W. Bush para continuar guerras e banhos de sangue contra inocentes.
Pessoalmente, o "anti-guerra" Obama votou para dar a Bush o que ele queria.
Sim, a eleição de Obama é histórica, símbolo de grande mudança para muitos.
Mas é igualmente verdade que a elite norte-americana tem tornado-se grande adepta de utilizar negros da classe média e do segmento empresarial.
O corajoso Martin Luther King reconheceu-o quando estabeleceu paralelo entre os direitos humanos dos negros norte-americanos com os direitos humanos dos vietnamitas, que eram então massacrados por administração liberal dos democratas. E
Martin Luther King foi assassinado.
Em contraste gritante, o jovem major negro que servia no Vietnam, Colin Powell, foi usado para investigar e desfazer-se da roupa suja do infame massacre de My Lai.
Como secretário de Estado de Bush, Powell foi frequentemente descrito como liberal e considerado ideal para mentir a Organização das Nações Unidas (ONU) acerca das não existentes armas de destruição maciça do Iraque.
Condoleeza Rice, aclamada como bem sucedida mulher negra, tem trabalhado assiduamente na negação de justiça aos palestinos.
As duas primeiras nomeações de Obama representam a negação dos desejos dos seus eleitores.
O vice-presidente eleito, Joe Biden, é arrogante promotor da guerra e sionista.
Rahm Emanuel, que será o todo-poderoso chefe de gabinete da Casa Branca, é fervoroso neoliberal, devoto da doutrina que levou ao presente colapso econômico e ao empobrecimento de milhões.
Rahm Emanuel é sionista (Israel-first) que serviu no exército israelense e que se opõe a qualquer justiça significativa para os palestinianos – injustiça que está na raiz do ódio que os povos muçulmanos nutrem pelos EUA e na desova do jihadismo.
Nenhum exame sério desta situação é permitido na Obama mania, assim como nenhum exame sério à traição da maioria dos negros sul-africanos foi permitido no "Mandela moment".
Isto é particularmente marcante na Grã-Bretanha, onde o direito divino da América de "liderar" é importante para os interesses da elite britânica.
The Observer, que apoiou a guerra de Bush no Iraque, propalando as provas fabricadas de existência de
armas de destruição maciça escondidas por Saddam Hussein, anuncia agora que "A América restaurou a fé do Mundo nos seus ideais".
Esses ideais, que Obama jurará proteger, presidiram, desde 1945, à destruição de 50 governos, incluindo democracias, e 30 movimentos de libertação populares, provocando a morte de milhares e milhares de homens, mulheres e crianças.
Nada disto foi sequer sussurrado durante a campanha eleitoral.
Se isso tivesse sido permitido, poderia até ter havido o reconhecimento de que o liberalismo como ideologia estreita, supremamente arrogante e promotor de guerras está destruindo o liberalismo como realidade.
Antes da promoção da guerra criminosa feita por Tony Blair, essa ideologia foi negada por este e pelos seus meios de comunicação sob controle.
"Blair pode ser farol para o mundo," declarou o jornal Guardian, em 1997.
"Ele transforma a liderança em espécie de arte", afirmara então o jornal.
Hoje, basta introduzir o nome de Obama em substituição ao de Blair.
Como nos momentos históricos, há outro fato que não foi reportado e que está em curso há muito tempo: a viragem da democracia liberal na direção de ditadura corporativa, gerida por pessoas cuja etnia é irrelevante, com os meios de comunicação servindio-lhes de fachada para a produção de clichês.
"A verdadeira democracia", escreve Penn Jones Jr, o contador da história do Texas, "é atenção constante: não pensar da maneira que é suposto pensarmos e manter os olhos abertos o tempo todo".

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