Vazios e contradições na ordem econômica mundial

Negociações internacionais não levam em conta o abismo existente nos níveis de industrialização; tendência é mais riqueza para os ricos e mais pobreza para os pobres: os 40% mais pobres da população recebem 5% da renda mundial, enquanto os 20% mais ricos recebem 75%

Benjamin William Mkapa (foto)

Ex-presidente da Tanzânia

Artigo distribuído pela Inter Press Service


Os acontecimentos ocorridos nos últimos anos e meses contribuíram para a definição da situação do mundo com as seguintes características: desastres naturais, como tsunami, El Niño, Katrina e Ike, que deram lugar a debates sobre a mudança climática; agitações políticas como as guerras civis africanas, a situação de violência e instabilidade nos Bálcãs, os conflitos armados na Birmânia e Tailândia, e na Ásia ocidental e central; Iraque e Afeganistão, sob agressão dos EUA; crise do petróleo e dos mercados financeiros e alimentar, bem como negociações multilaterais e bilaterais orientadas a estabelecer novos regimes comerciais no mundo cada vez mais globalizado.
O que estes acontecimentos supõem é o desafio de demonstrar que efetivamente existe comunidade internacional que reflete visão global comum baseada em valores universais.
O fim da Guerra Fria modificou a configuração geopolítica.

Passou-se de guerra potencial para rivalidade e competição fortes e sem piedade.
A luta dos países novos e em desenvolvimento para afirmarem suas identidades e suas presenças não é muito evidente, mas, nem por isso menos angustiante.
Isto é certo, independentemente de alguns, como o Brasil, a China e a Índia, terem convertido-se em grandes potências.
No âmbito político, não houve grandes progressos na reforma das Nações Unidas que permitam refletir as mudanças na composição, na força e no potencial de seus estados-membros.
Em termos de funcionamento, a instituição continua vendo o mundo através do prisma dos anos 1946/47.

No campo econômico, os recursos naturais e a mão-de-obra dos países novos e em desenvolvimento foram considerados historicamente como patrimônio das nações desenvolvidas.
As negociações sobre os investimentos e o comércio internacionais quase não levam em conta o abismo existente nos níveis de industrialização.
A tendência resultante é mais riqueza para os ricos e mais pobreza para os pobres. Segundo o Informe sobre Desenvolvimento Humano (IDH) de 2007, os 40% mais pobres da população recebe 5% da renda mundial, enquanto os 20% mais ricos recebem três quartos da renda mundial.

No tocante à mudança climática, o IDH a identifica como desafio decisivo para o desenvolvimento humano do século XXI e destaca que os países novos e em desenvolvimento são os que contribuem em menor medida para o fenômeno.
Portanto, não se deve impor a estes países a dura carga de diminuir as emissões de carbono por meio de programas que atrasem seu desenvolvimento econômico. Quanto ao Estado de Direito, o ponto de partida deve ser o reconhecimento de que em muitos países abarca e se aplica a todo mundo, mas protege apenas uns poucos. Do mesmo modo, o direito internacional abarca e se aplica todos os estados, mas protege unicamente poucas nações poderosas.

O desafio do século XXI é fazer com que a lei seja efetiva para todos.
Em muitos países em desenvolvimento o Estado de Direito não abarca a maioria dos trabalhadores.
Isto se deve ao fato de a maioria trabalhar na economia informal.
Sabe-se que existem, mas, não se dispõe nem de legislação que proteja seus direitos nem de mecanismos para exigir o cumprimento desses direitos.
No IDH, estima-se que 27 milhões de pessoas no mundo estão submetidas à escravidão; 20 milhões trabalham em condições de servidão.
No mundo, o trabalho infantil afeta um em cada seis crianças com idades entre 5 e 17 anos.
As mulheres realizam dois terços das horas de trabalho mundial, produzem a metade dos alimentos mundiais e recebem apenas 10% da renda mundial.
É evidente que o Estado de Direito não protege suficientemente as mulheres e as crianças.

Com relação aos mercados financeiros, os países novos e as nações em desenvolvimento não têm nenhuma participação no sistema internacional, que lhes foi imposto por herança.
A base do sistema financeiro internacional são as instituições de Bretton Woods (Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial) conceituadas e criadas antes que estes países alcançassem a independência.
Recentemente, se implementou algumas mudanças destinadas a reformar o sistema para que as novas nações e as em desenvolvimento tenham mais voz.

É imperativo que estes países participem do processo de reforma e criação da nova estrutura.
A recente crise financeira nos países desenvolvidos não terá um grande impacto nas economias menos adiantadas porque são escassos os vínculos com essas nações. Mas isto não pode ser motivo de acomodação, já que não se deve subestimar o ritmo de integração e interação ditado pela globalização.

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