Razões do Paraguai para reivindicar novas regras em Itaipu

Exportação de 46 milhões de megawatts/hora, rende a Assunção US$ 400 milhões/ano, valor que subiria para US$ 3,5 bilhões/ano, se a mesma energia fosse vendida ao preço de US$ 80 por megawatt/hora, fixado para o mercado atacadista brasileiro pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel)

Mario Osava
Da agência Inter Press Service

O Paraguai quer multiplicar por quase nove a renda que obtém com a venda da parte que lhe cabe da energia gerada pela hidrelétrica de Itaipu, compartilhada com o Brasil, mas, fundamentalmente, reclama soberania sobre esse recurso.
Direito de dispor livremente da energia do país.
Esse é o primeiro de seis pontos que pretende discutir o governo do presidente paraguaio, Fernando Lugo, disse Roberto Colman, membro da comissão criada em Assunção para negociar tratados internacionais, como o que estabeleceu a sociedade binacional de Itaipu.

Entre as aspirações paraguaias estão a possibilidade de vender energia a terceiros países ou elevar a parte de eletricidade consumida internamente, disse Colman em conversa à IPS durante a viagem que fez na semana passada pelo Brasil em busca de apoios de instituições e movimentos sociais para os desejos de Assunção. Segundo o tratado bilateral, Brasil e Paraguai compartilham partes iguais da energia gerada por Itaipu, cuja potência subiu para 14 mil megawatts em maio de 2007, mas Assunção apenas pode vender seus excedentes ao Brasil.
Para aumentar a parte que utiliza internamente precisa avisar o Brasil com cinco anos de antecedência.

Atualmente o Paraguai consome apenas 8% do total gerado por Itaipu.
A exportação de seus excedentes, 46 milhões de megawatts/hora, rende-lhe apenas US$ 400 milhões ao ano.
Mas, se pudesse vender essa energia ao preço de US$ 80 por megawatt/hora, fixado para o mercado atacadista brasileiro pela agência reguladora nacional, o total anual subiria para US$ 3,5 bilhões, disse Colman.
Esse é “o preço justo”, que constitui o segundo ponto das propostas definidas na comissão de negociação paraguaia, acrescentou.
Esse dinheiro serviria para financiar longa lista de planos e projetos sociais do governo Lugo, que tomou posse em 15 de agosto.

Itaipu é a maior hidrelétrica do mundo e manterá essa condição enquanto não estiver em plena operação a central de Três Gargantas, na China.
Com represa de 1.350 quilômetros quadrados, alimentada pelo rio Paraná, que serve de fronteira entre Brasil e Paraguai, Itaipu gera a energia que integra e afasta os dois países.
Os projetos que Lugo pretende financiar com o dinheiro adicional que reclama incluem geração de empregos, reforma agrária
integral, que contempla créditos, assistência técnica e outras medidas para promover a agricultura familiar e a agroindústria, obras de infra-estrutura e programas sociais.
Mas a questão básica, enfatizou Colman, é recuperar a soberania sobre o principal recurso energético do Paraguai, através da livre disponibilidade que lhe permitiria vender eletricidade de Itaipu a outros países vizinhos necessitados, como Argentina, Uruguai e, às vezes, Chile.
Esses são os dois pontos vitais e mais duros de negociar, já que requerem revisão do tratado assinado em 1973 com vigência até 2023, disse ele.
Os paraguaios esperam encontrar disposição brasileira favorável, baseados em declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de seus colaboradores diretos, a respeito de abrir a discussão sobre o Tratado de Itaipu e a favor de atitudes de generosidade em relação aos sócios mais pobres do Mercosul, disse Colman.

A negociação pode beneficiar-se do desejo manifestado pelos líderes do Mercosul (também integrado por Argentina e Uruguai) de eliminar as assimetrias e promover integração solidária, com medidas para desenvolver os sócios menores do bloco, já que ao Brasil pouco interessa vizinho com problemas, acrescentou.
Reduzir ou perdoar a dívida da sociedade binacional de Itaipu, que pode chegar a US$ 65 bilhões até o final do tratado em 2023 devido aos altos juros, é o terceiro ponto que Assunção busca negociar e que interessa aos brasileiros, porque esse custo financeiro encarece a energia para todos os consumidores, disse Colman.

O passivo de Itaipu compreende o que pode ser denominado de "dívida espúria” de US$ 4,192 bilhões, acumulada indevidamente porque empresa brasileira nem mesmo pagou o preço estabelecido no tratado, ao que se somam juros exorbitantes de 7,5% ao ano mais a inflação norte-americana.
O primeiro passo, porém, é alcançar o consenso no Paraguai sobre a proposta de negociação com o Brasil, que seguramente apenas poderá começar depois das eleições municipais brasileiras de outubro, disse Colman.
A gestão efetivamente binacional de Itaipu, diferente da atual em mãos do Brasil, a definição de órgãos de controle e auditoria completa desde o início e a conclusão de obras complementares do lado paraguaio para distribuição da eletricidade no país, são os demais pontos a negociar, acrescentou Colman.

Analistas estimam que será processo complicado.
A nacionalização dos hidrocarbonos na Bolívia afetou investimentos da Petrobras em 2006 e causou forte rejeição de empresários e e da mídia mercantilista, no Brasil, que condenaram a decisão boliviana e qualificaram de "execesso de condescendência" a atitude do governo diante da ação justa e correta do governo de Evo Morales.

No caso de Itaipu, a reação da mídia, principalmente a de direita, pode ser mais generalizada porque se trata de eletricidade, cujo possível encarecimento afetaria diretamente a todos, não apenas alguns setores econômicos, como no caso do gás boliviano.

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