MST faz denúncias à ONU contra processo de criminalização do movimento

Jurista Fábio Konder Comparato (foto) diz que compra de terras por estrangeiros ameaça mais a integridade territorial do Brasil do que as lutas sociais que visam o cumprimento da função social da terra, prevista na Constituição

Por Verena Glass
Da agência Repórter Brasil


O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e outras 12 entidades de defesa dos direitos humanos encaminharam duas denúncias à Organização das Nações Unidas (ONU) contra o que consideram campanha de criminalização do MST pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul.
Protocolados na dia 21 último, os documentos desqualificam também o processo de ordem política contra oito integrantes do movimento com base na Lei de Segurança Nacional (LSN).

Para o jurista e professor aposentado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Fabio Konder Comparato, enquadrar os militantes do MST na Lei de Segurança Nacional é delírio.

Segundo o jurista, a "integridade territorial" tratada na LSN é bem mais ameaçada pela compra de terras por estrangeiros do que pelas lutas sociais, que visam o cumprimento da função social da terra, prevista na Constituição.
De acordo com Fábio Konder Comparato, os ataques ao MST no Rio Grande do Sul são resposta do poder local às campanhas do movimento contra a venda de terras para plantio de eucalipto por papeleiras estrangeiras, como a sueco-finlandesa Stora Enzo, que já adquiriu grandes áreas nas faixas de fronteira (do Estado com países do Cone Sul), descumprindo restrições existentes na lei para a comercialização de áreas com essas características.
De acordo com os advogados do MST, as acusações do Ministério Público do Rio Grande do Sul baseiam-se em quatro artigos da LSN:

Art. 16 (Integrar ou manter associação, partido, comitê, entidade de classe ou grupamento que tenha por objetivo a mudança do regime vigente ou do Estado de Direito, por meios violentos ou com o emprego de grave ameaça)
Art. 17 (Tentar mudar, com emprego de violência ou grave ameaça, a ordem, o regime vigente ou o Estado de Direito)
Art. 20 (Devastar, saquear, extorquir, roubar, seqüestrar, manter em cárcere privado, incendiar, depredar, provocar explosão, praticar atentado pessoal ou atos de terrorismo, por inconformismo político ou para obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas)
Art. 23 (Incitar à subversão da ordem política ou social; à animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições civis; à luta com violência entre as classes sociais; à prática de qualquer dos crimes previstos nesta Lei).

A procuradora da República Patrícia Muxfeldt, autora da denúncia – aceita pelo juiz federal Felipe Veit Leal em 11 de abril – acusa os oito integrantes de crimes como a prática de "depredação e explosão por inconformismo político" e "propaganda da luta entre as classes sociais" na fazenda Coqueiros – área reivindicada para reforma agrária pelo MST em Coqueiros do Sul (RS).

À revelia dos réus e com a denuncia já acolhida, Muxfeld solicitou que o processo tramitasse em segredo de justiça, o que, de acordo com os advogados, impede a divulgação e discussão públicas das acusações.

Para Aton Fon, advogado dos acusados, o segredo de Justiça é inadmissível e tem como objetivo evitar que as estratégias da campanha de criminalização do processo, que visa atingir o MST por meio de seus militantes, sejam de conhecimento público.
O processo com base na Lei de Segurança Nacional, avalia Aton Fon, tem como intuito tipificar o MST como organização criminosa ou terrorista, tese defendida por membros do Ministério Público do Estado.
O momento é histórico no país e se constitui no maior desafio já apresentado à instituição desde o pos-88: a defesa da democracia.

Mesmo recuando sobre acusações como a ligação do MST com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARCs) – a própria Polícia Federal (PF) negou qualquer ligação entre as organizações –, o procurador Gilberto Thums afirmou que o MP considera o MST organização que representa ameaça à soberania nacional por suas posições políticas.

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