Mais depoimento sobre os crimes da Operação Condor na América do Sul

Passaram-se mais de três décadas e continuam crescentes os números de testemunhos e de registros sobre os crimes da Operação Condor, nome do esquema repressivo implantado na América do Sul, nos anos 70, pelos Estados Unidos, através de militares e da extrema direita do Brasil, da Argentina, do Uruguai, do Paraguai e da Bolívia.
Prova viva da existência da tenebrosa organização, o advogado paraguaio Martin Almada, Prêmio Nobel Alternativo da Paz, integrante da Associação dos Juristas Americanos e um dos expoentes latino-americanos na denúncia das ditaduras na região, em entrevista ao jornalista Mário Augusto Jakobskind, publicada pelo Brasil de Fato, contou sobre como foi julgado, condenado e torturado nas masmorras da diabólica aliança, responsável por centenas de assassinatos de inocentes no Cone Sul, confundidos com os combatentes que se insurgiram contra as ditaduras implantadas no continente.
Almada, além de ser um dos raros sobreviventes do Tribunal Militar da Operação Condor, pesquisou e divulgou outras provas dos crimes da Operação Condor.
A seguir, parte do diálogo de Almada com o jornalista Mário Augusto Jakobskind:
Como você descobriu os arquivos da Operação Condor?
Martin Almada: Isso foi fruto de 15 anos de investigação.
Em 26 de novembro de 1974, quando voltei a Assunção ao terminar meus estudos superiores na Universidade de La Plata, na Argentina, fui seqüestrado pela Polícia Política de Stroessner e levado a um Tribunal Militar integrado pelos Adidos Militares de Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Uruguai, além de militares e políticos paraguaios.

Um coronel chileno e o Chefe de Polícia da Província de Córdoba, Argentina, ordenaram que eu fosse torturado.
Fiquei na sala de torturas durante 30 dias, finalmente os militares tipificaram meu delito como "terrorista intelectual".
Depois fui transferido para o Comissariado Primeiro, a sede da Interpol.
Foi aí que tomei conhecimento da organização; ou seja, eu soube da Operação Condor estando no ventre do Condor.
A informação chegou-me por meio de um Comissário preso conosco; isto foi em abril ou maio de 1975 e a Operação Condor foi criada oficialmente em fins de outubro/novembro do ano anterior.
O Comissário sabia da existência da Operação Condor porque trabalhou no Escritório de Telecomunicações da Policia; ali, ele recebia todos os telex.
Ele caiu preso por não ter delatado que seu filho havia integrado-se ao Centro de Estudantes de La Plata, Argentina, quer dizer, o filho tornara-se subversivo e o comissário não o denunciara à repressão, por isto estava preso.
Um dia ele me disse: "Olhe Martin, se tu sai vivo daqui tens de ler a Revista Policial do Paraguai, ali está tudo sobre o Condor".

E como você saiu da Operação Condor?
Saí quase três anos depois de ser preso. Fiz greve de fome durante trinta dias, depois de castigado no "Sepulcro dos Vivos", nome dados às torturas do Comissariado Terceiro, e saí em liberdade em setembro de 1977.
Em fevereiro de 1978, viajei ao Panamá, cujo presidente da República, general Omar Torrijos, pediu ao Secretário Geral das Nações Unidas que me arranjasse trabalho em minha especialidade.
Foi assim que a Unesco de Paris contratou-me como Consultor para América Latina (1978/1992).
Nas minhas horas livres pesquisei os passos do Condor através da Revista Policial do Paraguai.
Em 3 de fevereiro de 1989, caiu a ditadura militar de Stroessner.
Mudou-se a Constituição que contemplou a figura jurídica do Hábeas Datas, que estabelece que toda pessoa tem direito a ter acesso a informação e aos dados sobre si mesma.
Eu queria saber os detalhes sobre a morte de minha esposa, a educadora Celestina Perez e também o que significava ser terrorista intelectual.
Por isso, recorri à Justiça pedindo que a Polícia fornecesse meus antecedentes.
A Polícia então negou a existência de meus antecedentes.Pedi então a abertura do Arquivo da Polícia; esta negativa policial foi divulgada pela imprensa.
Recebi chamada telefônica e uma mulher me disse: "Professor Almada, seus papéis não estão na Central de Polícia, mas sim nos arredores de Assunção".
Convidei-a para passar no meu escritório.Uma hora depois, ela estava em meu escritório e me apresentou um mapa, com a localização do Comissariado de Lambare, a 10 quilômetros de Assunção.
Explicou que há mais de três meses a cópia desse mesmo mapa tinha sido fornecida a um líder da oposição que não fez nada.
Disse que confiava muito em mim e se despediu.
Levei esse mapa ao juiz que estava conduzindo meu recurso de Habeas Data, Dr. Jose Agustin Fernandez.
O juiz decidiu abrir o Comissariado de Lambare. Isso foi em 22 de dezembro de 1992.
Tive então acesso a toneladas de documentos.
Quem foi a mulher que trouxe o mapa?
Soube muito mais tarde que foi a esposa de um Comissário que fugiu com uma menina muito mais jovem.
Ela trouxe-me o mapa porque estava com ódio do marido, por ciúme dele.

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