Os EUA mantêm crescente o estabelecimento de bases militares na América Latina, mesmo sabendo que os meios tradicionais de intervenção militar e de controle econômico debilitaram-se seriamente.
O alerta é do professor americano Noam Chomsky, do Massachusetts Institute of Technology (MIT), um dos mais importantes intelectuais contemporâneos, conhecido mundialmente pelo ativismo contra a política externa dos EUA e autor de mais de 30 livros sobre intervencionismo, direitos humanos, mídia e linguística.
Chomsky, em depoimento à BBC Mundo, ao lado do intelectual uruguaio Eduardo Galeano, afirmou que a tendência cada vez mais esquerdista da América Latina, é problema sério para Washington, porque desafiam aos princípios básicos da doutrina de Monroe formulada há 180 anos.
Segundo Chomsky, os EUA não tiveram o poder para implementar a doutrina Monroe na América Latina até a Segunda Guerra Mundial, mas desde aquele momento exerceram a dominação regional por meios que vão da extrema violência aos controles econômicos.
"Estes meios de dominação, no entanto, já não estão disponíveis, como aprenderam os estrategistas do presidente Bush quando apoiaram a falida tentativa de golpe na Venezuela, contra Hugo Chávez, em 2002. Estes meios de dominação estão corroídos pela tendência à integração das economias latino-americanas, pela diversificação das relações internacionais, pela busca do controle dos recursos nacionais e pela rejeição das receitas das instituições internacionais", afirmou o professor do MIT.
Para Chomsky, tudo isto causou muitas dores de cabeça a Washington, que reage, sob a duvidosa cobertura da guerra contra o narcotráfico e da guerra contra o terror, incrementando mais a ajuda militar e policial à região, com treinamento de tropas latino-americanas.
"O Comando do Sul (SouthCom) tem agora mais pessoal na América Latina do que a maioria das agências federais civil somadas e o foco está no populismo radical e em outros assuntos internos. O treinamento militar passou das mãos do Departamento de Estado ao Pentágono (Departamento de Defesa), ficando liberado de supervisão mínima por parte do Congresso em matéria de direitos humanos e em relação à democracia. Os EUA estão estabelecendo bases militares ao longo de todo o hemisfério", adverte o ativista.
A seguir aspectos mais importantes do depoimento de Chomsky:
Evos Morales
Evos Morales é desafio extremamente sério aos EUA, particularmente porque tem lugar junto a outras mudanças no hemisfério. Desde a Venezuela à Argentina, os países da região estão escapando do controle estadunidense, movendo-se na direção de políticas independentes e de integração econômica. Estão começando a reverter os padrões de dependência de potências estrangeiras e o isolamento entre si que data da época da conquista espanhola.
Evo Morales reflete o ingresso da população indígena no cenário político do continente, em Chiapas, da Bolívia ao Equador e em outros lugares, onde se escutam chamados a uma nação indígena.
Junto a outras forças populares, os povos indígenas estão exigindo o controle de seus próprios recursos, o que representa séria ameaça para os planos de Washington de ter acesso ilimitado aos recursos do hemisfério ocidental, especialmente os energéticos. Isto é especialmente certo na Bolívia, que tem as maiores reservas de gás da região depois da Venezuela.
Transformações na América Latina
As transformações na América Latina são em parte reação ao efeito desastroso das políticas neoliberais durante 25 anos pelas instituições financeiras internacionais dominadas pelos EUA. Não é segredo nem para os economistas, nem para as populações dos países que seguiram as recomendações das instituições controladas pelos EUA (como se fez na América Latina), que houve acentuada queda no crescimento e no progresso em matéria de indicadores sociais. Isto em comparação com períodos anteriores e - de forma dramática - em contraste com países que ignoraram as recomendações das instituições financeiros submissas aos EUA, notavelmente no Sudeste asiático, onde se implementou políticas mais próximas às que possibilitaram o desenvolvimento dos países ricos.
A Bolívia tinha seguido rigorosamente as regras das instituições financeiras internacionais - exceto quando a revolta obrigou a deixá-las de lado - e sofreu queda em sua renda per capita.
A Argentina - há alguns anos a criança modelo do Fundo Monetário Internacional - sofreu colapso desastroso e em seguida se recuperou mediante a violação das regras das instituições financeiras internacionais, não satisfazendo a Washington ou ao capital internacional.
Argentina está pagando agora quase US$ 1 bilhão para libertar-se para sempre do FMI que, nas palavras do presidente argentino Néstor Kirchner, "agiu com o nosso pais como promotor e veiculo que causaram a pobreza e a dor dos argentinos".
A Argentina foi ajudada pela Venezuela, que comprou grande parte da divida argentina e vendeu petróleo a preço baixo. A entrada da Venezuela no Mercosul foi descrita por Kirchner como marco no desenvolvimento do bloco e foi qualificada pelo presidente Lula do Brasil como novo capitulo na integração regional.
A Venezuela e outros países na região estão aumentando os laços econômicos com a China e com a União Européia. Está ocorrendo também em termos mais amplos integração Sul-Sul (especialmente com o Brasil, a Índia e a África do Sul). Tudo isto preocupa profundamente a Washington.
Hegemonia dos EUA
Os EUA nunca foram todo-poderosos e menos agora. Apesar disso, os EUA ainda dominam o continente e o mundo, certamente em termos de poder militar.
Mesmo com a evolução de ordem econômica tripolar nas décadas recentes (América do Norte, Europa, Nordeste Asiático com crescentes vínculos com o resto da Ásia), e com as mudanças no Sul, a dominação econômica estadunidense nem sequer se aproxima do que foi no passado e, de fato, é bastante frágil.
Um olhada a fundo sobre este tema requereria, no entanto, análise mais profunda do que queremos dizer com Estados Unidos. Se nos referimos à população estadunidense, a dominação é menor. Mas se nos referimos aos que de fato são os donos do país, o sistema corporativo, o panorama é diferente.
Mas o famoso déficit da balança comercial estadunidense diminui consideravelmente quando consideramos as importações de multinacionais dos EUA e suas subsidiárias no exterior como exportações estadunidenses, o que é apropriado se identificamos o país com os que em grande medida são mesmo donos dele.
Acordos de integração econômica
A integração econômica internacional é de enorme relevância, mas não devemos cair em apreciações erradas que são freqüentes. Os mecanismos desenvolvidos e impostos pelos EUA e seus aliados não são tratados de livre comércio.
São mistura de liberalização e protecionismo desenhada - não surpreendentemente - de acordo com o interesse dos seus criadores: as corporações multinacionais e os Estados que estão a seu serviço como ferramentas e tiranos, para utilizar a expressão com a que James Madison descreveu o surgimento do capitalismo de Estado no seu início.
Os acordos comerciais garantem amplamente o direito a fixar preços de monopólio; privam os países em desenvolvimento dos mecanismos que empregaram as sociedades industrializadas ricas para alcançar seu estado atual.
O que se chama de comércio é em parte ficção econômica, que inclui vastas transferências infra-firmas dentro das economias ricas.
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