Pensamento e trajetória global do quase centenário Oscar Niemeyer

O arquiteto Oscar Niemeyer, um dos brasileiros mais renomados no exterior, teve reconhecimento mundial atestado pela primeira vez em 1946, quando recebeu convite para lecionar na Universidade de Yale, porém não pode entrar em território norte-americano, porque lhe foi negado visto, devido a sua posição política em prol da causa socialista.
Mas, no ano seguinte, o governo dos Estados Unidos foi obrigado a conceder visto ao profissional brasileiro, que fora convidado a compor a equipe de arquitetos renomados responsáveis pelo projeto da sede das Nações Unidas, em Nova York.
Em 1950, o primeiro livro sobre o trabalho de Niemeyer (The Work of Oscar Niemeyer) é publicado, nos EUA, por Stamo Papadaki.
Seguindo sempre a linha de liberdade plástica e invenção arquitetural, de 1956 a 1959 dedicou-se à construção de uma das mais arrojadas obras de urbanismo e arquitetura do século: Brasília.
Respeitando o Plano Piloto de Lúcio Costa, realizou os principais prédios: os palácios da Alvorada e dos Arcos, os ministérios, a Praça dos Três Poderes, a catedral, a universidade e os blocos residenciais.
A posição socialista de Niemeyer custou- lhe caro nos anos de horror da ditadura militar do Brasil, a partir de 1964, e o levou a internacionalizar mais os seus trabalhos, até mesmo por questão de sobrevivência.
Logo que os militares tomaram o poder, a revista do qual Niemeyer era diretor, Módulo, teve a sede destruída; nos meses seguintes, seus projetos arquitetônicos começaram a ser misteriosamente recusados por clientes, fossem órgãos públicos ou grupos privados.
Em 1965, duzentos professores, entre eles Niemeyer, pediram demissão da Universidade de Brasília, em protesto contra a política universitária da ditadura.
No mesmo ano, Niemeyer viaja à França, para exposição sobre sua obra no Museu do Louvre.
No ano seguinte, impedido de trabalhar no Brasil, muda-se para Paris; o então presidente francês Charles De Gaulle elaborou lei especial para permitir que Niemeyer trabalhasse no país por toda a vida.
Começa aí outra fase de sua vida e obra: abre escritório nos Champs-Élysées, e tem clientes na Alemanha, Argélia, Cuba, Estados Unidos, França, Inglaterra, Israel, Itália, Líbano, Portugual, Venezuela, cidade de Neguev e Turim.
No início dos anos 70, retornou ao Brasil e passou a lecionar na Universidade do Rio de Janeiro.
Nos anos de 1980, mantendo o jogo harmônico de volumes e grandes espaços livres e abdicando dos detalhes menores, ergueu em São Paulo o monumental Memorial da América Latina.
Atualmente, o arquiteto vive no Rio de Janeiro, sua terra natal, e, neste ano, completará 100 anos de idade, em dezembro; talvez por isto tem aceitado, em atitude rara, ser entrevistado pela imprensa e ser homenageado por instituições públicas.
Destacamos aqui trechos da entrevista concedida ao jornalista Ricardo Miranda, do Correio Braziliense, publicada também no jornal Vermelho Online, do PC do B, que mostram o pensamento de Niemeyer sobre temas como arquitetura, precariedade da vida, dinheiro, desigualdades sociais, violência, racismo, especulação imobiliária, comunismo, Fidel Castro, George W. Bush, Hugo Chávez, Lula e América Latina.

Arquitetura
O lado humano da arquitetura sofre a influência do mundo capitalista, que corrompe e desmerece a atividade.
Eu tive sorte e tive oportunidade de começar fazendo a Pampulha, depois veio Brasília...E aproveitei...
Às vezes, temos uma chance boa e não sabemos dela tirar partido, aí não adianta nada.

Vida precária e ilusória
É tudo tão precário, como as nossas pobres vidas.
O sujeito tem que ser simples, trabalhar, ser cordial, ter prazer em ajudar os outros.
Um dos problemas hoje do arquiteto, aliás, de qualquer profissional, é que ele não quer ler; não se interessa pela leitura.
O mundo dele é só a vida dele; o horizonte dele é muito pequeno.
Ele entra para a vida sem saber como se portar neste mundo tão difícil de lidar, cheio de preconceitos e privilégios.

Necessidade da informação
É importante que se saiba o que está acontecendo, que o planeta não é nosso, que a Terra está envelhecendo como a gente.
Aqui no escritório tenho palestras sobre filosofia toda terça-feira, há cinco anos, e nenhum de nós que trabalhamos aqui quer ser intelectual.
A gente quer somente ter idéia mais clara dos problemas da vida.
Falamos do planeta Terra, dos problemas de água, de frio, de calor, desse planeta no fim da galáxia, longe de tudo... E saber que o mundo é mal dividido, que todos devem ter as mesmas oportunidades.
O sujeito tem que se informar.
Não é para ficar mais iluminado não, mas poder sentir os mistérios do universo e da vida, discutir de onde tudo isso apareceu, procurar discutir as hipóteses.

Dinheiro
Aqui, como nos Estados Unidos, o sujeito quer ser o vencedor, quer dinheiro.
É pensar pequeno demais.
Temos que crescer, viver com simplicidade, com os filhos, ter amizade pelas pessoas.
O importante não é o sujeito ver as pessoas procurando adivinhar os defeitos, mas admitindo que todo mundo tem o lado bom.
O Lênin dizia que 10% de qualidade já eram o suficiente.

Desigualdades sociais e violência
O sujeito que nasce na favela e na pobreza enfrenta preconceito pelas ruas, a polícia está sempre atrás dele.
Isso gera revolta e ele age como revoltado.
A grã-finagem já olha a garotada nas favelas como futuros inimigos.
E a questão de cor vai tomando sentido assim de racismo. É horrível!

Racismo brasileiro

O historiador Sérgio Buarque de Holanda escreveu um livro muito bom (Raízes do Brasil) em que conta que os portugueses davam mais atenção aos índios.
E que os pretos foram sempre olhados como escravos.
De tal forma que, quando um índio casava com uma negra, perdia o emprego.
E isso existe.

Ser humano
A gente tem que saber que o ser humano não representa nada, é desprezível, não tem tarefa nenhuma aqui, não tem perspectiva, mas tem que viver.
E a maneira de viver é de mãos dadas, num clima de boa vontade, ter prazer em ser útil.

Especulação imobiliária
Se você for examinar Brasília, o Plano (Piloto) tinha muitos espaços vazios.
Arquitetura e urbanismo são o jogo de volumes e espaços livres.
E muitos dos vazios de Brasília foram ocupados, não levaram em conta que o vazio é importante.
Quando se faz um prédio, o terreno que o cerca faz parte da arquitetura.

Degradação urbana
As cidades degradam-se porque crescem demais.
Uma cidade feita para 500 mil (habitantes), que tem um milhão, dois milhões, não pode funcionar bem.
O urbanismo moderno já adota algumas diretrizes: a cidade não deve crescer descontroladamente, deve multiplicar-se.
Quando a cidade chega a densidade tal, faz-se outra afastada.
E, em volta das cidades, ficam os terrenos livres, arborizados.
Isso é urbanismo.
Nós não seguimos isso, naturalmente.
O Rio daqui a pouco estará ligado a São Paulo.

Convicção comunista
Eu era de família católica, com retrato do Papa na parede.
Mas a vida é injusta demais.
Eu sou comunista que acha que é preciso mudar o mundo, que nada vai se resolver com paliativos, o capitalismo é ruim, divide os homens, cria poder, cria a violência.
Para melhorar, tem que mudar.
E vai mudar, porque a miséria é a maioria.
É o proletariado no poder.

Comunismo e utopia
Utopia é querer consertar o capitalismo, achar que ele poder ser melhorado.
Está tudo errado, é a doutrina de miséria e de egoísmo.
No Brasil as coisas acontecem como nos Estados Unidos: o sujeito começa a vida e quer ter poder, ser rico, ganhar dinheiro, dominar.
As pessoas não entendem que não valem nada, não tem importância; ninguém tem importância.

Fidel Castro
Ele aproveitou a oportunidade e tirou Cuba do poder dos americanos, que faziam do país o seu quintal.
O povo cubano é que levou Fidel Castro ao poder e está lutando para que ele resista.
Como o (Hugo) Chávez (presidente da Venezuela), que quer mudar o destino do povo venezuelano.
América Latina
Se você olhar para trás, a coisa está mudando, os países estão transformando-se em repúblicas populares, a maioria dos países da América Latina está de mãos dadas contra os americanos.
Essa onda do Bush, que é o terrorista número um do mundo, acabou; Bush está sem saber o que vai fazer.
Mas como ele tem a força, ele pode fazer muita coisa.
O que muda tudo é o inesperado e ele pode jogar com isso ainda.

Lula
Lula não é comunista, é operário.
A formação dele não é de quem nasceu rico e quer ficar mais rico.
É operário no poder.
Imagine se não fosse o Lula, se tivesse vindo um outro... a vitória do Lula foi muito importante para o Brasil. E para a América Latina também.
Ele é esperto e não está combatendo o Chávez.
Para o meu gosto, eu queria que Lula fosse mais freqüente no contato com o pessoal que está defendendo, na América Latina.
Nosso país está ameaçado.
Os americanos foram inimigos, até hoje, dos mais pobres, porque agora vão mudar?

Vida curta
É um minuto...
A história dos homens é a mesma, as mesmas esperanças, os mesmos devaneios, as mesmas desilusões, as mesmas angústias, sem saber nem por que, nem para que passam por aqui e desaparecem.
E ver a morte dos parentes e amigos, uma coisa permanente e inevitável, é muito duro.
Nós, na minha família, éramos seis irmãos, agora estou sozinho.
O desaparecimento de cada um deles foi uma tristeza...

Grande projeto
Eu gostaria de olhar para a cidade e não ver favelas, não ver pobre na rua, olhar o povo satisfeito correndo na praia, ninguém querendo ser importante.
Essa idéia de importância é tão ridícula, esse negócio de achar que venceu na vida...
Isso é uma merda!

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