Desafio na América Latina é subir imposto da renda e punir sonegação

A América Latina vive tempos de estagnação econômica, e se pretende manter a tendência da década passada, de reverter a desigualdade mais alta do mundo, não mais poderá depender tanto da abundância de recursos, mas sim de sua melhor redistribuição. Essa é a opinião de José Antonio Ocampo, economista colombiano, professor de Harvard e coautor, com o Nobel Joseph Stiglitz, do livro Tiempo para una mano visible: lecciones da la crisis financiera mundial de 2008 [Tempo para uma Mão Visível: Lições da Crise Financeira Mundial de 2008]. E, quando se fala em distribuição, a América Latina continua a registrar dois problemas graves: o imposto de renda, que é um dos tributos mais fraudados e que menos pesa na estrutura de arrecadação dos países, e as contribuições para a seguridade social, cuja não realização mantém 46,8% dos latino-americanos em situação de emprego informal.A reportagem é de Alejandro Rebossio, publicada por El País, 02-11-2015.


No livro Desigualdad, concentración del ingresso y tributación sobre las altas rentas [Desigualdade, Concentração de Renda e Tributação dos Altos Rendimentos], a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) chama a atenção para a diminuição do peso do imposto de renda na região nas últimas décadas, por três motivos: os tetos considerados baixos (vão de 25% a 35%, abaixo do que se vê na Alemanha, na Inglaterra e na Espanha), o elevado nível de deduções e isenções; e o elevado nível de sonegação.


O teto máximo se aplica, nos países desenvolvidos, no caso das pessoas que ganham de três a quatro vezes mais do que o valor do PIB per capita de seus países, mas, na América Latina, essa taxação só atinge aqueles que recebem nove vezes o valor da renda média por habitante.
Nesse sentido, Argentina, Brasil e México aparecem como os países mais desenvolvidos, enquanto Chile, Colômbia, Peru e Venezuela quase não adotam o teto.


Além disso, “na prática, as pessoas acabam pagando em média cerca de 10%, e as empresas, às vezes, nada, considerando as diversas isenções e a elisão fiscal”, afirma Suzana Ruiz, especialista da ONG Oxfam Intermón. “Aqueles que estão próximos do poder estabelecem o seu modelo tributário conforme a sua própria medida”, comenta Ruiz. As isenções de imposto de renda chegam a 3,6% do PIB chileno e a 2,5% da riqueza nacional mexicana. Em outras grandes economias da região, atingem menos de 2%.
79% não creem que dinheiro de imposto será usado corretamente


Um dos motivos para a sonegação fiscal na América Latina é a precariedade dos serviços públicos. Estes, por sua vez, são de baixa qualidade, em muitos países, justamente pelo fato de a arrecadação obrigatória ser muito reduzida. “A população latino-americana tem consciência de que deve pagar impostos. O problema é que não confia no Estado, em sua imparcialidade e profissionalismo para administrar adequadamente esses recursos. Uma pesquisa realizada pelo instituto Latinobarômetro mostra que 79% dos cidadãos não acreditam que o dinheiro dos impostos será usado corretamente”, afirma um relatório da consultoria Llorente & Cuenca.


Por isso, essa consultoria propõe um “pacto fiscal” que rompa com “esse círculo vicioso de não se pagar impostos porque os serviços prestados pelo Estado são ineficientes e de uma gestão incapaz de controlar as fraudes”. Para a Llorente & Cuenca, “se o cidadão sentir que se beneficia da provisão de bens e serviços públicos por parte do Estado, os governos ganharão em legitimidade e o desprestígio das instituições políticas e do Estado diminuirá, pois, no fim das contas, o que determinará em grande parte o grau de legitimidade e o seu direito de cobrar mais recursos dos contribuintes é justamente a forma como o governo irá gastar os recursos públicos arrecadados”.


A sonegação do IVA (imposto de valor agregado) na América Latina (20% da arrecadação potencial) é semelhante à dos países europeus, mas grandes diferenças aparecem quando se trata do imposto de renda. Em 11 países europeus, a evasão do tributo por parte das empresas chega a 28,7%, ante 54,2% na América Latina. No caso do imposto de renda da pessoa física, a diferença é de 33% para 46,8%. “Os assalariados não têm como fugir do imposto. Já o restante consegue escapar. Os rendimentos mais elevados não são totalmente declarados e problemas graves continuam a existir na administração pública”, avalia Ruiz, da Oxfam.


“O impacto redistributivo [do imposto de renda] é bastante limitado por causa dos baixos níveis de arrecadação”, lamenta o estudo publicado pela CEPAL. Na maioria dos países latino-americanos, esse tributo implica uma redução que não chega a 0,01 ponto no coeficiente de Gini de desigualdade de renda [o nível 1 indica maior desigualdade, e 0, menor]. No México ele gera uma redução de 0,03, e no Brasil, de 0,02.  Na América Latina, o imposto de renda equivale a 5,5% do PIB regional. Nos países ricos da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), a taxa é de 11,6%.


Baixa arrecadação

Ricardo Martner, especialista da CEPAL, detalha os motivos da baixa arrecadação desse tributo na América Latina. “Primeiramente, isso deve à economia informal, que chega a 70% em alguns países, o que sacrifica a capacidade de controle. Em segundo lugar, houve desde a década de 90 uma diminuição das taxas do imposto, multiplicando-se as isenções, por exemplo, sobre a renda do capital, que é menos tributada do que a renda proveniente do trabalho. Isso é atribuído à globalização e à dificuldade para manter os investimentos dentro do país.” Martner comenta que o 1% dos latino-americanos mais ricos controla 20% da renda, em vez dos 10% registrados nos países desenvolvidos.


“Eles têm renda mais elevadas porque pagam pouco imposto... É preciso convencer as empresas a contribuírem conforme os seus rendimentos”, sugere o especialista.
As maneiras utilizadas pelas empresas para pagar pouco imposto são variadas, segundo Dâo Real, especialista da Rede de Justiça Fiscal da América Latina e do Caribe. “As grandes companhias aumentam os seus custos ou diminuem o seu faturamento manipulando os preços de suas exportações e importações com filiais em outros países, de forma a pagar imposto ali onde o sistema lhes seja mais favorável, por exemplo, em paraísos fiscais. As pequenas e médias, por sua vez, usam mecanismos mais simples: não registram o faturamento de uma parte de suas vendas”, explica Real.


Além disso, “como os países são muito dependentes de investimento estrangeiro, acabam oferecendo muitos incentivos fiscais para atraí-lo, o que gera um aumento do aperto tributário sobre as rendas mais baixas e o consumo”, acrescenta o especialista desse organismo latino-americano.

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