Por que os Estados Unidos retornam para bombardear seus arranjos no Iraque?

“O plano concebido pelos estrategistas do Pentágono para manter a hegemonia dos Estados Unidos sobre toda essa rica região (Oriente Médio) se resume na histórica máxima divida e vencerá. Os estrategistas imperiais planejaram dividir, ainda mais, o mundo árabe, desta vez em pequenos califados ou reinos, um novo Sykes-Picot, de acordo com as tendências religiosas de cada comunidade árabe da região, especialmente nas regiões onde se concentram os maiores campos petroleiros”, escreve Basem Tajeldini (foto), analista político, em artigo publicado por Rebelión,19-8-2014. A tradução é do Cepat.

Eis o artigo:

Quando muitos acreditavam que as tropas estadunidenses se retiravam definitivamente do Iraque, em 2011, o pesadelo volta pretendendo permanecer. Poucos imaginavam que os Estados Unidos encontrariam outra oportunidade para retornar em uma segunda estreia de seu filme. Raras vezes os maus filmes têm a oportunidade de se apresentar novamente para uma segunda parte. A cruel e dolorosa história da hipócrita “intervenção humanitária” e os “danos colaterais” se repete naquelas terras.

Os bombardeios “humanitários” do “pacifista” e “defensor” dos direitos humanos, o Prêmio Nobel da “Paz” e presidente estadunidense, Barack Obama, já causaram suas primeiras baixas civis inocentes. Perdão! Quis dizer “danos colaterais”.

Também o Nobel (Obama) autorizou bombardear a Represa de Mossul (1), uma vez que se trata de uma infraestrutura terrorista. Os astutos estrategistas militares estadunidenses determinaram que destruindo a Represa os terroristas vão carecer de água e eletricidade, ainda que colateralmente toda a população iraquiana seja atingida. Um pequeno sacrifício coletivo.

Os meios de comunicação ocidentais nos dizem, como cúmplices, que a administração Obama retornou ao Iraque somente em razão do pedido do governo iraquiano para “proteger” a população civil, especialmente as comunidades religiosas cristãs e yazidis que são perseguidas pelos grupos jihadistas do autodenominado Emirado Islâmico, que em tempo recorde conquistaram grande parte dos territórios ricos de reservas petroleiras que se localizam ao norte do Estado iraquiano. Porém, o que não nos contam esses mesmos meios de comunicação é: como os terroristas do Emirado Islâmico puderam avançar e conquistar tão facilmente o norte do Iraque? Quem forneceu as armas que utilizam contra o exército e o povo iraquiano? Quem ofereceu apoio a esses demônios?

É impossível ocultar tanta evidência sobre a origem e o papel que cumpriram os diferentes grupos jihadistas (fundamentalmente a Al-Qaeda) no Oriente Médio e o Norte da África. Muitos no mundo sabem que foram os Estados Unidos e seus aliados, principalmente Israel, os verdadeiros responsáveis da anarquia e da crise humanitária que padece, há 23 anos, não apenas o povo iraquiano (a primeira Guerra do Golfo, em 1991, e a posterior invasão estadunidense, em 2003, até o dia de hoje), mas também outros povos da região.

O plano concebido pelos estrategistas do Pentágono para manter a hegemonia dos Estados Unidos sobre toda essa rica região se resume na histórica máxima “divida e vencerá”. Os estrategistas imperiais planejaram dividir, ainda mais, o mundo árabe, desta vez em pequenos califados ou reinos, um novo Sykes-Picot (2), de acordo com as tendências religiosas de cada comunidade árabe da região, especialmente nas regiões onde se concentram os maiores campos petroleiros, onde se incluem os campos do Norte e Sul do Iraque; os reservatórios do nordeste da Síria. Com efeito, sob a anterior administração de George W. Bush, esses velhos planos de redesenho das fronteiras da região assumiram o nome de “Nosso Grande Oriente Médio” (3).

As ligações da CIA estadunidense e o MOSSAD israelense com os diferentes grupos terroristas-jihadistas foram amplamente divulgadas nos meios de comunicação alternativos. E não foi apenas o ex-agente da CIA, Edward Snowden, o único em reconhecer esta verdade. Inclusive, até a própria ex-secretária de Estado dos Estados Unidos, Hillary Clinton, acabou admitindo o já e sabido por muitos no mundo. Em sua mais recente entrevista, que muitos interpretaram como de pré-campanha eleitoral, Hillary deixou escapar um comentário que incomodou seu ex-chefe Obama, disse: “financiamos mal a rebeldes sírios e surgiu o Estado Islâmico” (4). Em poucas palavras, Hillary disse que os Estados Unidos, e muito especificamente Barack Obama, eram o pai daquela horrenda criatura.

Hoje, existe suficiente documentação vazada que revela que aqueles planos imperiais conceberam a criação dos demônios da Al-Qaeda e suas diferentes ramificações jihadistas, também amparadas pelas petromonarquias da Arábia Saudita e Qatar, que contribuíram tanto com seus muitos petrodólares, como de forma ideológica (as ideologias wahabistas e salafistas-takfiristas lecionadas nas mesquitas que estes reinos também financiam). Tudo isto, com a finalidade de destruir os Estados-nações do Oriente Médio e Norte da África e esmagar a resistência pan-arabista e unionista, como passo prévio para a divisão e criação de novos califados ou reinos árabes.

No entanto, até agora o resultado sobre o assunto esteve distante do planejado pelos Estados Unidos. O redesenho do mapa árabe apresentado pela administração Bush não foi possível até hoje.

Por outro lado, os terroristas do Emirado Islâmico e Al-Nusra (vinculados a Al-Qaeda e apoiados por Estados Unidos e Israel) foram praticamente derrotados na Síria, Egito e Líbia. Ao mesmo tempo em que também se tornaram um pesadelo para seus próprios criadores, porque se tornaram incontroláveis e atacaram interesses e objetivos estadunidenses na região.

Certamente, semanas atrás, os terroristas do Emirado Islâmico conseguiram se arrumar com o controle de vários campos e facilidades petroleiras no norte do Iraque (Mossul e Kirkuk), que até então eram administrados pelas companhias petroleiras estadunidenses, por meio dos independentistas do Curdistão iraquiano com assento em Erbil. O oleoduto que liga Kirkuk (no Iraque) e Ceyhan (na Turquia), e a refinaria de Baiji, a mais importante do Iraque, que garante importantes recursos (petrodólares) para o autofinanciamento e a maior independência em relação aos seus promotores ocidentais. Além disso, o Emirado Islâmico garante que também controla as reservas petroleiras na Síria (5).

A independência financeira de seus “bons garotos” não permite assegurar o controle, nem as futuras posições dos Estados Unidos.

Por sua parte, os dirigentes políticos do Iraque, conscientes da ameaça terrorista, conseguiram a formação de um governo de unidade dirigido pelo xiita Haidar Al Abadi, que é apoiado pelo aiatolá Sayed Ali Husein Al Sistani, e pela maioria dos xiitas, curdos, cristãos e alguns sunitas. Cabe destacar que, há um mês, o governo iraquiano havia solicitado apoio da Rússia contra a ameaça jihadista, obtendo daquela potência um importante lote de aviões SU-25 e munições que foram empregadas para resistir o avanço dos mesmos grupos (6). A imediata resposta russa havia deixado os Estados Unidos praticamente isolado da região. A administração Obama tinha que fazer algo, envolver-se diretamente no Iraque para reverter esta situação. Assim como ocorreu outras vezes no passado, hoje seus “bons garotos” terroristas voltam a servir como a perfeita desculpa para interferir no Iraque.

Obama e os estrategistas militares do Pentágono devem estar muito preocupados pela mudança em sua jogada. Nem eles próprios podem entender o que fazem.

Até pouco tempo, a Casa Branca havia solicitado ao Congresso de seu país que autorizasse a concessão de uma ajuda econômica de 500 milhões de dólares (parte do fundo global de 5 bilhões da luta contra o terrorismo, anunciado em fins de maio pelo presidente dos Estados Unidos) para ajudar “treinar e equipar” militarmente aos opositores que chamaram como “moderados” na Síria. Esta solicitação surgia no mesmo momento em que os Estados Unidos começavam a interferir militarmente no Iraque, diante do avanço do Emirado Islâmico, o mesmo grupo jihadista que também está presente na Síria (7).

Certamente, Obama e os belicosos do Pentágono devem estar medindo as consequências de golpear seus garotos do Emirado Islâmico no Iraque e a forma como continuar apoiando-lhes na Síria, mesmo após ter apoiado uma resolução no Conselho de Segurança da ONU que impõe sanções a seis indivíduos pela contratação ou financiamento de combatentes estrangeiros no Iraque e Síria, e exige que todos os grupos ligados a Al-Qaeda sejam desarmados e dissolvidos imediatamente (8). Nada fácil quando a verdade acaba se impondo.

Especialistas militares russos e iraquianos tinham manifestado que é apenas questão de tempo para que as forças terroristas do Emirado Islâmico e Al-Nusra sejam completamente derrotadas no Iraque e Síria. Informação que Obama e seus assessores também sabiam.

Os Estados Unidos e seus aliados estão muito conscientes sobre o curso de seus arranjos terroristas em toda a região, mas também estão muito desconcertados pela independência adquirida por estes grupos e a interferência em seus interesses petroleiros pela ação dos mesmos. Por esta razão, muito tardiamente, os Estados Unidos pretendem se adiantar aos fatos bombardeando, mais uma vez, seus próprios demônios para ganhar a indulgência dos ingênuos, recuperar um pouco seu terreno perdido no norte do Iraque e, acima de tudo, dissimular sua paternidade com o Emirado Islâmico.

Notas:
1. Obama informa sobre a operação na imprensa de Mossul

2. Acordos de Sykes-Picot

3. Bush inventa o Novo Grande Oriente Médio

4. Hillary Clinton: “Financiamos mal aos rebeldes sírios e surgiu o Estado Islâmico”

5. O Emirado Islâmico se faz com o controle do petróleo iraquiano

6. A Rússia fornece aviões para o Iraque

7. Obama pede 500 milhões de dólares para os rebeldes sírios

8. A ONU aprova medida contra os terroristas

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