Equador: luta contra crime 
ambiental da Chevron vira filme

Matthew Berger
Inter Press Service


A história começou há quase 40 anos. Mas o cineasta Joe Berlinger (foto) deu-se conta de que “deveria fazer algo” quando viu os habitantes da Amazônia equatoriana comendo atum enlatado porque o pescado dos rios estava muito contaminado.
Seu documentário, intitulado “Crudo” (tanto pode significar petróleo quanto cruel), é a última arma na guerra de relações públicas que no Equador cerca o processo judicial no qual a companhia de petróleo Chevron é acusada de derramar 70 bilhões de litros de líquidos tóxicos, deixar 916 fossos com dejetos e queimar milhões de metros cúbicos de gases contaminantes.
Todos esses crimes ambientais aumentaram a incidência de câncer e outras doenças na região equatoriana de Lago Agrio, segundo os autores da ação.
Trata-se de determinar se a Chevron é legalmente responsável pelos danos, se é possível remediá-los ou repará-los – e como – e se, como a empresa alega, o vínculo entre contaminação e doenças não está comprovado.
Luis Yanza, membro da equipe de advogados dos demandantes, comparou a tragédia das comunidades amazônicas com a sofrida pelo Alasca após o vazamento do navio petroleiro Exxon-Valdex em 1989.
“Aquilo foi acidente. O que ocorreu no Equador, não: foi algo deliberado”, disse Yanza na estréia de “Crudo” em Washington, na semana passada.
Mas, a visão de Chevron é muito diferente.
“Vemos as fotos, vemos a contaminação e não é só nossa”, disse o próximo gerente-geral da companhia, John Watson, no auditório da Câmara de Comércio dos Estados Unidos. “Trata-se de reclamações absurdas sem nenhuma base científica”, disse.
Na década de 60, a Texaco começou a extrair petróleo em uma área da Amazônia equatoriana afastada dos centros urbanos.
Após 23 anos de operações havia derramado 64 milhões de litros de petróleo e 68 bilhões de litros de água contaminada e tóxica, segundo a organização ambientalista Amazon Watch, que dá assistência aos demandantes.
Nos anos 90, a Texaco cedeu suas operações à estatal PetroEquador, que continua explorando os poços de Lago Agrio e admite continuar lançando água suja no meio ambiente.
A Chevron, que adquiriu a Texaco em 2001, considera que a maior parte da contaminação é responsabilidade da empresa equatoriana.
E que a Texaco se desfez da sua em 1998, quando terminou de limpar alguns dos locais, ao custo de US$ 40 bilhões, cumprindo um acordo assinado em 1995 com o governo do Equador.
Mas auditores de Quito concluíram em 2003 que a companhia não havia cumprido adequadamente sua parte do trato.
No filme, moradores de Lago Agrio descrevem com descobriram que haviam construído suas casas em buracos que foram enchidos com petróleo e depois cobertos.
Apesar da auditoria, Watson alegou que a Texaco foi exonerada formalmente de toda responsabilidade pelo governo após completar sua operação de limpeza.
E acrescentou que a PetroEquador nunca cumpriu sua parte e que, muito pelo contrário, continua contaminando.
“Muitas das práticas habituais da Texaco se mantêm, embora a PetroEquador tenha feito mudanças desde a saída dessa empresa para operar com mais responsabilidade”, afirmou Yanza.
“A Texaco desenhou sistema que contaminou e tem toda a responsabilidade”.
Outro advogado da demanda, Pablo Farjado, diz no documentário que a PetroEquador não é inocente, e sugere que questionar a estatal pode ser o próximo passo.
A demanda vincula 1.401 mortes por câncer na região com a contaminação causada pela Texaco entre 1985 e 1998, contabilizadas em informe realizado por grupo de trabalho independente ao qual a justiça equatoriana encomendou a avaliação dos danos.
O estudo dos especialistas conclui que a Chevron deve pagar US$ 27 bilhões para limpar o meio ambiente e compensar as comunidades afetadas.
Esta soma converte a demanda no principal processo por danos ambientais na história da humanidade, e supera em US$ 3 bilhões os ganhos da Chevron em 2008.
“Será muito caro limpar, mas ainda assim será bem menos do que o lucro obtido pela empresa no Equador”, disse na semana passada outro advogado dos queixosos, Steven Donzinger.
A batalha legal já dura 16 anos.
Em 2002, a Texaco convenceu o juiz norte-americano Jed Rakoff a transferir o caso para tribunais do Equador, país que na época tinha um governo conservador ávido por capitais estrangeiros.
A condição foi que a empresa se abstivesse de questionar uma eventual condenação no Equador na justiça dos EUA.
Agora o caso fica cada vez mais emaranhado no Poder Judiciário equatoriano, algo que, segundo os advogados dos queixosos, era a intenção da companhia.
Gravações feitas com microfones ocultos em relógios e canetas parecem revelar um esquema de suborno envolvendo, ao menos indiretamente, o juiz do caso, Juan Núñez, a irmã do presidente Rafael Correa e um equatoriano que trata de colaborar com um empresário norte-americano. Devido ao escândalo, Núñez deixou de continuar trabalhando no caso, embora negue qualquer falta de sua parte.
Os advogados de acusação veem o episodio como uma manobra da Chevron para desviar a atenção das questões-chave do caso e, fundamentalmente, para solapar o Poder Judiciário do Equador.
Na semana passada, a Chevron pediu a anulação das anteriores resoluções de Nuñez, moção que foi rejeitada pelo novo juiz do caso, Nicolas Zambrano.
O magistrado anterior previra no ano passado que a sentença seria emitida no final de 2009, mas não há uma resolução à vista. “Se perdermos, lutaremos vigorosamente”, disse Watson.
O problema da responsabilidade pela contaminação é tão pegajoso como a própria contaminação.
O caso parece deixar evidente a incapacidade dos tribunais em tratar de assuntos como este, nos quais uma multinacional parece, ao menos em parte, em falta e, ao mesmo tempo, tem os recursos e a vontade para enfrentar uma batalha legal durante décadas.
A Chevron “não quer de modo algum” ser julgada, segundo Donziger, que destaca as gestões da empresa para levar o caso de tribunais dos EUA para os equatorianos.
“Eles se consideram acima do alcance de qualquer sistema nacional”, lamentou.
Por outro lado, a batalha pela opinião pública está perdida para a Chevron no Equador, onde o governo de Correa alinhou-se com os queixosos, ao contrário de seus antecessores conservadores.
Mas a empresa mantém sua influência nos Estados Unidos, onde procura se mostrar como a mais socialmente consciente dentre das companhias de petróleo.
“Não creio que para a Chevron isto seja uma mera questão de dinheiro, mas de reputação”, afirmou Donziger.
Mas os esforços da empresa poderão naufragar com fatos como a exibição de “Crudo”.
Além disso, figuras populares como o músico britânico Stinge a ativista norte-americana Kerry Kennedy alinharam-se com os demandantes em uma luta vista por eles como a de Davi contra Golias.
“Como legislador e como cidadão dos Estados Unidos me sinto envergonhado”, disse o representante oficialista Jim McGovern, que visitou Lago Agrio na semana passada.
“A Chevron tem a obrigação moral e, creio, também legal, de resolver o conflito”, acrescentou.

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