Deslocalização agrícola: cresce procura por terras no exterior

Estrangeiros querem produzir alimentos em diversas partes do mundo e o Brasil não tem controle sobre esses investimentos

Hallam: medo dos preços dos alimentos

Cada vez mais interessados no Brasil, os investidores estrangeiros estão atentos às terras nacionais.

Durante visita à Arábia Saudita, no mês passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi recebido por anfitriões interessados em produzir alimentos no Brasil.

Querem comprar terras brasileiras, como já fizeram em outras partes do mundo.

O território nacional é visado pelo programa batizado como "Iniciativa do Rei Abdullah para o Investimento na Agricultura no Exterior", segundo reportagem da revista IstoÉ desa semana.
Lançado em 2008 pelos sauditas, a iniciativa do rei busca a autossuficiência alimentar, por meio da compra ou aluguel de latifúndios em nações com recursos naturais abundantes, para importar a produção.
Esse movimento é mundial: países com poucas áreas cultiváveis adquirem solos estrangeiros para produzir alimentos e importá-los, segundo denúncias de organismos internacionais voltados para a agricultura e abastecimento alimentar, como a FAO, da Organização das Nações Unidas (ONU).

"O principal agente motivador desse movimento é o medo causado pelo recente aumento dos preços dos alimentos", diz David Hallam, diretor da divisão de comércio e mercados da FAO, em Roma.
"Depender dos mercados mundiais para o abastecimento de comida e matéria-prima ficou mais arriscado", conclui Hallam.
Dentro desta realidade global, não passa um dia sem que novos hectares sejam negociados.
Os classificados de terras agrícolas à venda agora aparecem na imprensa financeira internacional.
Jean-Yves Carfantan, autor de “Choc alimentaire mondial, ce qui nous attend demain” (Impacto alimentar mundial, o que nos espera amanhã), constata: “No fim de 2008, cinco países se distinguiam pelo montante de suas aquisições de terras aráveis no exterior: a China, a Coreia do Sul, os Emirados Árabes Unidos, o Japão e a Arábia Saudita. Juntos, eles dispõem de mais de 7,6 milhões de hectares para cultivar fora de território nacional, ou seja, o equivalente a 5,6 vezes a superfície agrícola útil da Bélgica”.
Pesquisa do Instituto Internacional de Pesquisa em Política Alimentar (IFPRI, na sigla em inglês), baseado em Washington, nos EUA, revela que os investidores estrangeiros arremataram entre 15 milhões e 20 milhões de hectares de terras no exterior desde 2006, em operações que podem chegar a US$ 30 bilhões.

As negociações são feitas por empresas e fundos de investimento ou diretamente entre governos.

Os vendedores são nações em desenvolvimento onde os custos da produção e do solo são muito mais baixos - a maior parte está na África, mas o Brasil compõe a lista.

O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) contabiliza quatro milhões de hectares de terras agrícolas brasileiras registrados em nome de estrangeiros.
Como muitos proprietários não declaram a nacionalidade no registro em cartório, essa extensão pode ser ainda maior.

"Estimo que seja no mínimo três vezes mais", diz Rolf Hackbart, presidente do Incra.
Do total registrado, mais da metade está na Amazônia, e o Mato Grosso é o Estado com a maior área nas mãos de estrangeiros: pelo menos 800 mil hectares.
Segundo Hackbart, a procura internacional por terras agrícolas voltou a crescer recentemente.
"Recebi várias delegações da China querendo comprar áreas no Brasil ou se associar a grupos nacionais para produzir alimentos e biocombustível", diz. Corretores especializados confirmam reaquecimento nessa procura, após período de queda com a crise econômica mundial iniciada no ano passado.
Para que estrangeiros comprem imensas áreas no Brasil basta abrir empresa brasileira com capital estrangeiro ou associar-se a grupos nacionais.
"Temos que criar novas regras", reclama Hackbart, apontando as limitações já existentes para cidadãos estrangeiros e empresas constituídas no Exterior.
Parecer limitando a venda de terrenos a empresas brasileiras com capital estrangeiro está na Advocacia-Geral da União para análise desde agosto, sem previsão de desfecho.

Mesmo nos casos de venda direta a estrangeiros, o controle governamental é falho. "Tem até site estrangeiro na internet vendendo terra pública na Amazônia", alerta Hackbart.
Na rede, é possível encontrar alguns classificados internacionais oferecendo imóveis agrícolas.
Um deles anuncia: "O interior do Brasil é livre de intrusões governamentais como a fiscalização dos códigos de ocupação do solo, zoneamento e outros aborrecimentos."

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