Coreia do Norte e dissuasão nuclear

O presidente dos EUA pode contribuir para livrar o mundo de armas atômicas se enfrentar com mais determinação os interesses da classe dominante norte-americana, principalmente do complexo industrial-militar e de grandes corporações; se Obama estiver de fato disposto a caminhar neste sentido, ele deverá primeiro ratificar o tratado que proibe testes nucleares e, em seguida, assinar a paz com a Coreia do Norte

Por Emerson Leal
Doutor em Física Atômica e Molecular e vice-prefeito de São Carlos


A eleição de Barack Obama como presidente dos EUA fez renascer no coração de milhões de pessoas a esperança de mundo melhor – bem diferente daquele da ‘Era Bush’, em que o nível de tensão era sempre muito grande.
Infelizmente, essa esperança vem dando lugar a decepções sempre que Obama se curva aos interesses do establishment norte-americano.
Em tentativa de ‘reconstruir a imagem dos EUA no mundo’ – principalmente nos países muçulmanos – Obama fez discurso forte no último dia 4 de junho no Cairo, onde
afirmou que ‘nenhum sistema de governo pode ou deve ser imposto a uma nação por outra’.
Contudo, de boas intenções o inferno está cheio: como ficou, por exemplo, a questão do fechamento da base de Guantánamo? Por que o recuo?

Outros exemplos: por que no Afeganistão Obama vem ampliando o envolvimento dos EUA com métodos idênticos aos de Bush?
Na questão do terrorismo de estado do governo de Israel contra os palestinos: qual o avanço de fato?
Além disso, o Conselho de Segurança da ONU, submetendo-se a pressões norte-americanas, acaba de aprovar sanções pesadas contra a Coreia do Norte!
A reação dos EUA frente aos recentes testes nucleares realizados pelos norte-coreanos representa mais um episódio que desnuda a dificuldade de Obama em reconstruir a imagem de seu país.

Obama afirma que os testes “representam ameaça para a paz e para a segurança mundial” e insinua que tais experiências violaram um tratado que não existe de fato: o CTBT (sigla em inglês para Tratado Abrangente de Proibição de Testes Nucleares).

Por trás dessa dificuldade de Obama – de passar para a História como o líder que correspondeu amplamente às expectativas de milhões de pessoas no mundo todo – estão os interesses e pressões da classe dominante norte-americana, principalmente do complexo industrial-militar e de grandes corporações que o historiador Michael Woodiwiss desnuda em Capitalismo Gângster.

Sobre a questão dos testes nucleares é difícil acreditar que Obama não saiba que suas declarações são ilegítimas e que os norte-coreanos não estão provocando qualquer país ou coisa alguma.

Na guerra da Coreia (de 1950 a 1953) mais de um milhão de coreanos, principalmente civis, foram mortos e o país foi quase totalmente destruído pelas bombas norte-americanas.

A América jamais quis assinar paz definitiva ali. Pelo contrário, manteve cerca de 50 mil soldados na Coreia do Sul (hoje são mais de 30 mil), além de moderno arsenal de armas convencionais e nucleares.
Isto, sim, significa séria ameaça à paz.
O CTBT não vigora pelo simples fato de que 9 dos 44 estados ‘nucleares’ nunca o ratificaram, inclusive, e principalmente, os EUA.

Então, que moral tem o governo norte-americano para exigir que outros países o respeitem?
Segundo a revista Newsweek, a América tem 5.400 ogivas nucleares instaladas em mísseis intercontinentais; outras 1.750 bombas nucleares e mais 1.670 armas nucleares ‘táticas’, além de 10.000 ogivas nucleares em bunkers.
A Coreia do Norte tinha feito um acordo com os EUA e a ONU para desativar um de seus complexos nucleares.
Em troca, os Estados Unidos teriam de fornecer aos norte-coreanos petróleo e reatores de água leve – para geração de energia – em substituição ao de plutônio.
Ocorre que os EUA nunca cumpriram com a sua parte.
Por outro lado: França, Paquistão, Inglaterra, Índia, Israel e outros países também ‘violaram’ o CTBT e ninguém reclamou.
São os dois pesos e as duas medidas de sempre.

A decisão do governo norte-coreano de investir pesadamente na construção de dissuasor nuclear é questão de soberania nacional e de sobrevivência.

Primeiro porque o país foi invadido pelo Japão; depois, pelos EUA; e, hoje, é ameaçado com novas invasões.

Se o presidente Obama quiser realmente contribuir para a construção de mundo livre de armas nucleares, que comece a enfrentar com mais determinação a classe dominante de seu país: primeiro, ratificando o CTBT; segundo, assinando tratado de paz com a Coreia do Norte e removendo as tropas americanas que há mais de meio século ocupam a península coreana.

O mundo não só o aplaudiria, como o colocaria num pedestal.

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