No Peru não há água para todos

A mudança climática, que está derretendo as geleiras, e a falta de gestão pública causam escassez de água, o que inflama conflitos nesta região da América do Sul.
De 218 choques e violências sociais no país, neste ano, 48% giram em torno de problemas socioambientais vinculados ao manejo da água


Por Blanca Rosales Artigo produzido pela IPS (Inter Press Service) e IFEJ (Federação Internacional de Jornalistas Ambientais) para a Aliança de Comunicadores para o Desenvolvimento Sustentável (www.complusalliance.org) e para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud)

Dois departamentos do sul, Moquegua e Arequipa, estão em enfrentamento por causa da água.
Segundo o estudo “A água diante de novos desafios. Atores e iniciativas no Equador, Peru e Bolívia”, divulgado pela organização internacional Oxfam no dia 20 de março, as comunidades camponesas da região alto-andina do Rio Yauca vivem choques violentos com perdas de vidas.
Os projetos de irrigação Chavimochic e Chinecas, no noroeste, apresentam permanentes disputas pelos recursos hídricos.
Chavimochic irriga cerca de 155 mil hectares, 66 mil deles ganhos do deserto, e inclui Trujillo, a cidade mais importante da região La Libertad.
Chinecas, na região de Ancash, melhorou a irrigação de 24 mil hectares e ampliou em dez mil hectares a fronteira agrícola.
As regiões de Piura e Labayeque, no norte, estão em disputa pelo uso da água do Rio Huancabamba, que nasce na primeira, mas irriga a segunda.
Isso ocorre porque a água no Peru não apenas é pouca como está mal distribuída. Na desértica faixa costeira do Oceano Pacífico vive 70% da população, que dispõe de apenas 1,8% da água doce do país.
Lima abriga 30% dos peruanos, oito milhões de pessoas. É a segunda cidade localizada em um deserto mais povoada do planeta, depois do Cairo. Calcula-se que entre um e dois milhões de seus habitantes não contam com água potável.
A engenheira Carmen Felipe-Morales, especialista do Instituto de Promoção e Gestão da Água, destaca que Lima não conta com água suficiente para seus habitantes.
Em algum momento de seu primeiro mandato (1985-1990) o presidente Alan García propôs mudar essa enorme população para outro lugar, idéia que não voltou a ser mencionada em sua atual gestão.
Por outro lado, transformou a promessa eleitoral “água para todos” em um programa estratégico de seu governo, que se propõe a realizar altos investimentos em 185 projetos de água potável e saneamento.
O objetivo declarado é ampliar de 76% para 88% o serviço de água potável, de 57% para 77% o de saneamento e de 22% para 100% o tratamento de esgoto, com prazo até 2015.
Dessa forma seria cumprida a meta 10 dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, adotados pela comunidade internacional em 2000, de reduzir pela metade, entre 1990 e 2015, a porcentagem de pessoas sem acesso sustentado a água potável e saneamento.
Mas a questão continua sendo a pouca água disponível. Para Morales, “se o aumento da população da capital não for controlado, o problema será maior, não apenas pela demanda, mas por outro aspecto muito grave, a contaminação da água”.
“Mais da metade dos rios de maior demanda de uso está severamente contaminada” no Peru, segundo a Oxfam. No norte, Chira, Piura, Llaunaco, Santa e Huallaga. No centro, Chillón, Rímac, Yauli e Mantaro. E, no sul, o Rio Chili.
Para Moraes, a gestão da água parece não estar na agenda do governo. “Uma gestão adequada é, sobretudo, prevenção e educação, e que sejam cumpridas as normas, porque no Peru temos muitas leis e normas sobre meio ambiente. Mas, são cumpridas?”, pergunta.
A este cenário soma-se a Lei de Recursos Hídricos, promulgada no dia 30 de março, e questionada por setores sociais e políticos porque “muito claramente abre as portas à privatização da administração da água”, segundo a legisladora Yaneth Cajahuanca, do Partido Nacionalista.
Enquanto isso, fonte crucial de água doce derrete diante dos olhos dos peruanos. Os glaciares, enormes massas de gelo na superfície terrestre, estão desaparecendo por causa do aquecimento do clima, alertam especialistas.
Neste país se encontram 71% das geleiras tropicais do mundo, enquanto o restante se divide entre Bolívia, com 22%; Equador com 4%, e Colômbia com 3%.
A área glacial peruana passou de 2.042 quilômetros quadrados para 1.596 quilômetros quadrados nos últimos 30 anos, informou o engenheiro Marco Zapata, chefe da Unidade de Glaciologia e Recursos Hídricos da Autoridade Nacional da Água da província de Huaraz, no noroeste do país.
São 446 quilômetros quadrados a menos de glaciares, que representam sete bilhões de metros cúbicos de água ou dez anos de consumo hídrico em Lima.
Na Cordilheira Branca, a mais alta e mais extensa do mundo do seu tipo, situada em Ancash, a superfície glacial diminuiu 1.897 quilômetros quadrados entre 1970 e 2003. Foi um retrocesso de 26% em 33 anos.
Entretanto, 10,5% foram perdidos apenas nos últimos seis anos, entre 1997 e 2003, disse Zapata, que há mais de três décadas estuda o fenômeno. “Em 1989, foi publicado o primeiro inventario nacional de glaciares, com base em fotografias aéreas do período de 1970 a 1974, considerando 18 cordilheiras nevadas ou grandes áreas glaciais.
Não foi inventariada a cordilheira vulcânica de Arequipa porque as fotos apresentavam muitas nuvens, nem a de Barroso de Tacna (ambas no sul), porque suas geleiras haviam desaparecido”, contou o especialista.
Em 2007, “começamos a trabalhar um novo inventario de geleiras e lagoas alto-andinas ou pró-glaciares, iniciando o trabalho pela Cordilheira Branca”, explicou Zapata.
Este último inventário foi feito com imagens obtidas por satélite em 2003. Se em 1970 os glaciares da Cordilheira Branca ocupavam 723 quilômetros quadrados, os resultados de 2003 indicavam apenas 535 quilômetros quadrados.
Essa Cordilheira contém um quarto dos glaciares tropicais do mundo, afirma o estudo “Alpine lakes and glaciers in Peru: managing sources of water & destruction”, publicado pro Edward Spang em 2006.
Os rios da faixa costeira nascem nas serras e se alimentam dos gelos ou das precipitações serranas. “Quando os glaciares desaparecerem, dependeremos apenas da água da chuva”, alertou o especialista.
Este país possui cerca de 12.200 lagoas e “estas terão de ser utilizadas, bem como aqueles vales que reunirem as condições para armazenar água durante a época de chuvas”, afirmou.
Será preciso promover cultivos de acordo com a disponibilidade hídrica, melhorar os sistemas de irrigação e reduzir as perdas por vazamentos nos canais, que determinam o desperdício de 70% do líquido na serra, segundo Zapata.

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