Versão norte-americana de colonização global

Antigamente, o colonialismo praticado pelos europeus consistia em conquistar países inteiros e administrá-los; os EUA foram os pioneiros em abordagem mais requintada com o império de bases militares


Hugh Gusterson
Professor de antropologia e sociologia na George Mason University.
Especialista em cultura nuclear, segurança internacional e antropologia da ciência

Antes de lerem este artigo, tentem responder a esta pergunta:
quantas bases militares têm os Estados Unidos em outros países?
a) 100; b) 300; c) 700; ou d) 1000.
De acordo com o Pentágono, são 865, mas se incluirmos as novas bases no Iraque e no Afeganistão são mais de mil.
Antigamente, o colonialismo praticado pelos europeus consistia em conquistar países inteiros e administrá-los. Mas isso era deselegante.
Os EUA inovaram como império global.
Conforme diz o historiador Chalmers Johnson, "a versão norte-americana da colônia é a base militar".
Os Estados Unidos, diz Johnson, têm império de bases, que lhe dá alcance global, mas o modelo deste império, na medida em que inflete para a Europa, é relíquia alargada e anacrónica da Guerra-fria.
Estas bases não saem baratas.
Excluindo as bases americanas no Afeganistão e no Iraque, os EUA gastam cerca de US$ 102 bilhões por ano para manter os postos militares além-mar, segundo Miriam Pemberton do Instituto de Estudos Políticos.
Em muitos casos, as bases são questionáveis.
Por exemplo, há 227 bases na Alemanha; talvez isso fizesse sentido durante a guerra-fria, quando o país estava dividida ao meio e os políticos norte-americanos tentavam convencer os soviéticos de que o povo americano veria em ataque à Europa ataque a si próprio.
A Casa Branca precisa desesperadamente de cortar despesas desnecessárias no orçamento federal, e o congressista de Massachusetts, Barney Frank, Democrata, propôs que o orçamento do Pentágono fosse reduzido em 25%.
Quer se ache ou não que o número de Frank é politicamente realista, as bases militares são certamente alvo lucrativo para o machado do corte orçamental.
Em 2004, Donald Rumsfeld calculou que os Estados Unidos podiam poupar US$ 12 bilhões se fechasse umas 200 bases no estrangeiro.
Mas essas bases estrangeiras parecem invisíveis quando os cortadores do orçamento olham de esguelha para o orçamento proposto pelo Pentágono de US$ 664 bilhões.
O New York Times pediu "coragem política" à Casa Branca para cortar no orçamento da defesa.
Sugestões: cortar gastos com o caça F-22 da força aérea e com o destróier DDG-1000 da marinha, reduzir os mísseis defensivos e diminuir o Sistema de Combate Futuro do exército para poupar US$ 10 bilhões por ano.
Apesar de os políticos e os especialistas dos meios de comunicação esuecerem as bases militares, tratando o posicionamento de tropas americanas espalhadas pelo mundo inteiro como se fosse fato natural, o assunto atrai cada vez mais a atenção de acadêmicos e ativistas.
A NYU Press (Imprensa da Universidade de Nova Iorque) acaba de publicar The Bases of Empire: The Global Struggle Against U.S. Military Posts (As Bases do Império) de Catherine Lutz, livro que reúne acadêmicos que estudam as bases militares americanas e ativistas contra essas bases.
A Rutgers University Press publicou Military Power and Popular Protest (O Poder Militar e o Protesto Popular) de Kate McCaffrey, estudo sobre as bases americanas em Vieques, no Porto Rico, que foram fechadas perante os protestos maciços da população local.
E a Princeton University Press está para publicar Island of Shame (A Ilha da Vergonha) de David Vine – livro que conta a história de como os Estados Unidos e a Grã-Bretanha acordaram secretamente deportar os habitantes da ilha Diego Garcia, no arquipélago de Chagos, para as Maurícias e para as Seychelles para que a sua ilha pudesse ser transformada em base militar.
Os dirigentes norte-americanos dizem que as bases no estrangeiro cimentam as alianças com nações estrangeiras, sobretudo através do comércio e de acordos de ajuda que acompanham frequentemente as rendas das bases.
Mas os soldados americanos vivem em espécie de imitação da América nas suas bases, vêem a TV americana, ouvem o rap e o heavy metal americanos e comem a fast food americana, a fim de que tenham pouca exposição a outro modo de vida.
Entretanto, do outro lado da cerca de arame farpado, os nativos (residentes e comerciantes locais) ficam muitas vezes dependentes dos soldados e defendem que eles ali se mantenham.
Estas bases podem tornar-se pontos de inflamação de conflitos.
As bases militares normalmente descarregam lixo tóxico nos ecossistemas locais, como em Guam onde as bases militares provocaram nada menos de 19 locais extremamente poluídos.
Esta contaminação gera ressentimento e por vezes movimentos sociais extremamente explosivos contra as bases, como aconteceu em Vieques nos anos 90. Os Estados Unidos utilizaram Vieques para exercícios de bombardeamento ao vivo 180 dias por ano, e em 2003, na altura em que os Estados Unidos se retiraram, a paisagem estava atulhada de metralha explodida e por explodir, de esferas de urânio empobrecido, de metais pesados, petróleo, lubrificantes, solventes e ácidos. Segundo activistas locais, a taxa de cancro em Vieques era 30 por cento mais alta do que no resto de Porto Rico.
Também é inevitável que, de tempos a tempos, os soldados americanos – muitas vezes embriagados – cometam crimes.
O ressentimento que estes crimes provocam ainda é mais exacerbado pela frequente insistência do governo norte-americano de que esses crimes não sejam julgados nos tribunais locais.
Em 2002, dois soldados norte-americanos mataram duas adolescentes na Coreia quando se dirigiam para festa de aniversário.
Os veteranos da Coreia afirmam que este foi um dos 52 mil crimes praticados por soldados americanos na Coreia entre 1967 e 2002.
Os dois soldados norte-americanos foram imediatamente repatriados para os Estados Unidos a fim de fugirem ao julgamento na Coreia.
Em 1998, piloto fuzileiro cortou os cabos de um teleférico em Itália, matando 20 pessoas, mas os oficiais americanos detiveram-no e recusaram-se a permitir que as autoridades italianas o julgassem.
Estes e outros incidentes semelhantes prejudicam as relações dos EUA com importantes aliados.
Os ataques de 11/Set são, sem dúvida, o exemplo mais espectacular do tipo de ricochete que pode gerar-se a partir do ressentimento local contra as bases americanas.
Nos anos 90, a presença de bases militares americanas junto dos lugares sagrados do Islã sunita na Arábia Saudita encolerizou Osama Bin Laden e proporcionou à Al Qaeda poderosa ferramenta de recrutamento.
Os Estados Unidos, sensatamente, fecharam as suas maiores bases na Arábia Saudita, mas abriram outras bases no Iraque e no Afeganistão que tornaram-se rapidamente fontes de atrito na relação entre os Estados Unidos e os povos do Oriente Médio.
Muitas destas bases são luxo que os Estados Unidos já não podem aguentar em época de déficits orçamentais recordes.
Além disso, as bases têm face dupla: projetam o poder norte-americano pelo globo, mas inflamam as relações externas dos EUA, gerando ressentimentos contra a prostituição, os danos ambientais, os pequenos crimes, e o etnocentrismo comum que são o seu corolário inevitável.
Esses ressentimentos forçaram recentemente o encerramento de bases americanas no Equador, em Porto Rico e no Quirguistão; podemos esperar mais movimentações contra as bases norte-americanas.
Acredito que, dentro dos próximos 50 anos, assistiremos ao aparecimento de norma internacional segundo a qual as bases militares estrangeiras serão tão indefensáveis como a ocupação colonial de um outro país passou a ser nos últimos 50 anos.

Clique aqui para ler original em inglês no GlabalSearch encontra-se em
Tradução de Margarida Ferreira.


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