Gaza: "enorme derrota para Israel"

Para o filósofo belga Jean Bricmont (foto), professor da Universidade de Louvain, Bruxelas, é preciso ter em conta o efeito ideológico ligado à monstruosidade dos crimes contra os palestinos e à revolta que estes crimes inspiram entre árabes, no terceiro mundo e em parte da Europa

Entrevista à jornalista argelina Leila Lallali
A versão em francês encontra-se em
http://www.legrandsoir.info/spip.php?article7934
Tradução: Fernanda Correia de Oliveira


Qual é sua opinião sobre a situação atual na Faixa de Gaza?
Penso que é importante constatar que, além dos horrores cometidos e dos sofrimentos suportados, trata-se de enorme derrota para Israel.
Não podemos avaliar quem ganha ou quem perde se não levarmos em conta as relações de força aí envolvidas. Ora, no caso de Gaza, as relações de força são mais desequilibradas do que no Líbano em 2006, e, entretanto, Israel não ganha, então sua derrota é ainda maior.
Com efeito, é preciso compreender o que seria para Israel ganhar (o que se passou mais ou menos em 1967): soldados que se rendem ou fogem, dirigentes do Hamas presos e levados a Israel para serem julgados como "terroristas".

Ora, nada disso se passa em Gaza.

Ademais, é preciso ter em conta o efeito ideológico ligado à monstruosidade dos crimes, à revolta que eles inspiram, não somente no mundo árabe, mas em todo o terceiro mundo, e, em parte, na Europa.

É preciso reconhecer o valor da emissora de televisão Al Jazeerah e da Internet, que permitiram que as pessoas realmente se informassem.


O senhor pensa que a agressão israelense a Gaza foi causada pelos foguetes do Hamas, ou existem outros objetivos?

Há talvez objetivos eleitorais. O que é evidente é que os tiros de foguete não podem justificar a agressão.
É evidente que teria sido necessário abandonar o bloqueio e negociar com o Hamas. Também evidente, e inquietante, é o fato de que nós mal podemos ver que objetivo os israelenses perseguem e podem racionalmente esperar atingir. Qualquer observador objetivo se dá conta de que este ataque não pode senão reforçar o Hamas, assim como a hostilidade com relação a Israel. Há qualquer coisa de profundamente irracional nesta atitude israelense, e, de certo modo, é isso o que há de mais inquietante.

Israel desafia o mundo e a Organização das Nações Unidas não é capaz de impedir que isso ocorra; como fazer face a este Estado?
Primeiramente, é preciso compreender que a impotência das Nações Unidas deve-se inteiramente ao bloqueio dos Estados Unidos.
A Assembléia Geral e mesmo o Conselho de Segurança podem ter boas posições, mas é preciso lembrar que há o direito de veto.
Logicamente, visto a força militar de Israel, não é evidente que se pudesse agir neste plano.
Entretanto, podemos utilizar a arma BDS – Boicote, desinvestimento, sanções. As sanções dependem de estados e é pouco provável que a Europa e os Estados Unidos as adotem.
Por outro lado, podemos admirar a atitude da Bolívia e da Venezuela que, embora situadas longe do conflito, adotam posições de princípio notáveis, e das quais poderíamos esperar que inspirem estados que são geográfica e culturalmente mais próximos da Palestina.

O boicote é arma cidadã, que se desenvolve muito fortemente na Grã-Bretanha.
O boicote foi utilizado com sucesso contra a África do Sul e não vejo por que ela não poderia ser eficaz contra Israel.

Como se situa a Europa quanto ao que se passa na Faixa de Gaza?
De que Europa falamos? A Europa não está unida (não mais que a Liga Árabe, aliás). Os governos europus não refletem as opiniões públicas de seus respectivos povos.
Ademais, é preciso dar-se conta de que o problema central reside nos Estados Unidos, particularmente no Congresso e no Senado.

A Europa tem muita dificuldade em tomar posição independente dos Estados Unidos e, mesmo se ela o fizesse, isso não mudaria grande coisa enquanto os Estados Unidos apoiam cegamente Israel.

O que não quer dizer que a Europa não devesse fazer nada – se ela se distanciasse dos Estados Unidos quanto a esta questão, isso reforçaria aqueles que, nos Estados Unidos, pensam que o apoio a Israel custa caro demais para algo que não lhe diz respeito tanto assim.


Qual é o interesse da Europa em sustentar a agressão israelense a Gaza?

Quem lhe disse que ela age por interesse? Penso que, se refletirmos bem, a Europa não tem interesse algum a longo prazo em sustentar Israel (e em se alienar de tantas pessoas no mundo).
Mas quem, entre os homens ou mulheres políticos europeus, ou homens ou mulheres de negócios, vai fazer esta análise?
E quem vai ousar dizê-lo?
Não se pode compreender nada do que se passa na Europa e nos Estados Unidos enquanto não se leva em conta o fator do medo – medo das organizações sionistas, de suas campanhas de difamação e intimidação.
É por isso que eu penso que as organizações de solidariedade deveriam antes de tudo combater este sentimento de medo, sustentando todos aqueles que dão passos, mesmo pequenos e mesmo imperfeitos, na boa direção, isto é, de mais independência com relação a Israel.


O senhor pensa que Barack Obama vai mudar a política americana, ou ele vai seguir os rastros de Bush?

Não gosto de fazer previsões; mas todos os sinais que Obama deu durante sua campanha mostram apoio a Israel.
Mesmo se nós supomos que era tática (pois ele sabia que não seria eleito se fosse abertamente contrário às organizações sionistas), é preciso não esquecer que presidente não é ditador e que ele deverá levar em conta essas mesmas relações de força às quais se submeteu completamente durante sua campanha.

Além disso, o Congresso e o Senado votaram resolução totalmente pró-israelense sobre o conflito se Obama tinha a menor intenção de mudar alguma coisa, ele está avisado de que tem duas câmaras contra si.

Como o senhor vê o futuro das relações internacionais sob a administração Obama? Haverá sem dúvida mais "diplomacia", mas, como observa Chomsky, Condoleeza Rice falava também de diplomacia.
Sobretudo a primeira administração Bush foi todo o tempo partidária da guerra, mesmo se sozinha contra o resto do mundo. Posteriormente, o discurso mudou, e mudará ainda mais com Obama.
Mas, no fundo, o que realmente ocorrerá? Meu temor é de que o entusiasmo, em parte legítimo, provocado pela eleição de um negro faça calar os críticos da política americana ou, pior, que as vozes críticas sejam acusadas de racismo.
O problema é que Obama terá muito mais "legitimidade" que Bush, ao menos se tomarmos este no fim de seu governo.
Ora, o que limita a nocividade dos Estados Unidos não são as intenções de seus dirigentes, mas sobretudo a oposição popular à sua política, o que será muito mais difícil com Obama do que com Bush.

Para o povo palestino, a única esperança é de que a crise econômica leve a uma tomada de consciência, nos Estados Unidos, de que muitas coisas não vão bem em sua política e, na verdade, lhes causam danos; e uma das mais importantes destas é o apoio cego a Israel.

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