Importância da África no mundo e suas relações com o Brasil

Para o prof. José Flávio Saraiva (foto), da UnB, o continente é uma das últimas fronteiras do capitalismo global, com riquezas naturais e humanas incomensuráveis: "O mundo precisa mais da África do que a África do mundo. Lá estão fontes e recursos naturais necessários à sobrevivência do planeta".

Texto de Alex Sander Alcântara, da Agência Fapesp

Exótica, sem personalidade, problemática e carente de ações humanistas.
Segundo artigo publicado na Revista Brasileira de Política Internacional, pelo prof. José Flávio Saraiva,
do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), essa maneira de encarar a África não corresponde à complexa realidade do continente e trata de discurso da vitimização, herdado do ciclo da descolonização, que não tem mais eco na atualidade.
Para o professor Saraiva, a África é mais complexa, mais autônoma e ocupa novo lugar na sociedade internacional.
“É uma das últimas fronteiras do capitalismo global, com riquezas naturais e humanas incomensuráveis. O mundo precisa mais da África do que a África do mundo. Lá estão fontes e recursos naturais necessários à sobrevivência do planeta. As elites do continente, embora ruins na média geral, estão divididas”, disse Saraiva à Agência FAPESP.
Autor do livro O lugar da África – A dimensão atlântica da política externa brasileira (Editora UnB, 1996), o professor afirmou que, mesmo diante da crise econômica global e das dificuldades internas de constituição de sociedades e estados modernos, assiste-se no continente africano a “ciclo positivo”.
A África poderia, inclusive, sair-se bem do momento de ansiedade por que passam as economias globais.

“As economias no continente cresceram em torno de 5,6% por ano desde o início da década. Tenderão a manter parte desse crescimento nos próximos anos, pois as fontes de financiamento externo emanam dos capitais do Golfo Pérsico e da Ásia. Apesar das crises políticas, como o golpe de estado recente na Guiné, a crise política no Zimbábue ou o conflito de Darfur, assiste-se a processos positivos de democratização de regimes políticos”, disse o autor, que pesquisa o tema desde 1982 e já esteve em mais de 30 países africanos.
Segundo ele, os conceitos negativos que se perpetuam sobre o continente africano presidem parte do desenho ocidentalista patrocinado “ora por interesses de exploração de grandes grupos econômicos internacionais, ora pelas próprias elites africanas para obter recursos e meios de perpetuação do poder local”.
Saraiva não concordou com o “discurso humanista ingênuo” que guia as ações de muitos grupos não-governamentais internacionais. O continente, afirma, é mais complexo e mais autônomo do que se imagina.
“A África profunda não quer esmolas ou modelinhos de culpa ocidental, quer apoio a idéias e projetos de infraestrutura social e econômica. Os chineses aprenderam isso rápido. Estão fazendo infiltração muito inteligente no continente africano. O Ocidente vai ficar para trás nessa corrida”, afirmou.
Para Saraiva, o caso de Moçambique é emblemático.
Segundo ele, trata-se de país com muita pobreza, mas que está equilibrando-se melhor que seus pares de língua portuguesa na África subsaariana.

“Não é tão rico economicamente como Angola, mas tem práticas políticas de melhor gestão de seus recursos. Suas elites estão menos esgarçadas. É país que vem normalizando práticas elementares de normalização da máquina pública. Assiste a crescimento relativamente sustentável e suas elites têm certo pragmatismo na direção do aproveitamento das oportunidades das mudanças globais do momento”, afirmou.
De acordo com o Saraiva, apesar de haver elevação do status da África no mundo – com inserção na sociedade internacional –, existe no Brasil, paradoxalmente, “baixa apreciação” em relação ao continente.
“Há, por aqui, invenção de África que está mais ligada à história afro-brasileira do que às realidades estruturais que alicerçam a evolução dom continente imenso e muito diversificado em todos os aspectos. Inventamos aqui África para consumo interno, ora para elevar as Áfricas que temos dentro de nós, ora para denegri-la”, disse.
Para o pesquisador, essa confusão leva a “muito voluntarismo ingênuo de baixo impacto” no continente e a uma “espécie de autosuficiência e arrogância” ao imaginar que o Brasil tem fórmulas mágicas e modelos prontos para a África.
Apesar disso, Saraiva ressalta que o Brasil rompeu, nos últimos anos, o que chama de “silêncio atlântico”.
A retomada da política de diversificação de interesses nas partes menos centrais do capitalismo global levou o país novamente à África.

“A ampliação da representação diplomática no continente e a retomada de projetos estruturais no campo mineral, petrolífero, de infraestrutura social e profissional emanaram mais do Executivo do que dos setores econômicos clássicos. Agora, há um fluxo comercial e empresarial que foi recriado pelo Executivo”, afirmou.
Segundo ele, o Brasil não pode negligenciar as relações de interesse com o continente africano. Do campo estratégico e econômico ao político, multilateral e de interesses a colher, a África é um dos destinos obrigatórios.
“Mas esse desembarque não pode ser feito contra a África, na ambição de ir para resolver problemas de identidades afro-brasileiras. Os chineses, indianos e australianos, que têm pouco de África na sua base sociocultural, estão mais vivos por lá do que nossos discursos de africanidade brasileira”, disse.

Clique AQUI, para ler o artigo A África na ordem internacional do século XXI: mudanças epidérmicas ou ensaios de autonomia decisória?, disponível na biblioteca on-line SciELO (Bireme/FAPESP)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Buscar neste site: