Barack Obama: "tortura permite fazer inimigos, jamais vencê-los"

Presidente eleito dos EUA face a face com um dos lados mais sombrios e desumanos das guerras de Bush

Montagem com flagrantes de torturas em Guantánamo

Por Rémy Ourdan, correspondente
do Le Monde, em
Washington
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves


Barack Obama deverá tomar decisões, ao chegar à Casa Branca, sobre a face sombria da "guerra contra o terrorismo" decretada por George Bush depois do 11 de setembro: a detenção arbitrária, ilegal e secreta de prisioneiros e o uso da tortura.
Os partidários de Obama estão conscientes de que o presidente eleito precisará de tempo – e que talvez seu mandato não baste – para tirar o país das guerras no Afeganistão e no Iraque e tentar reconciliar a América com alguns de seus inimigos.
Preocupados com a restauração da imagem dos EUA no mundo, norte-americanos esperam, por outro lado, que o presidente, após a posse em 20 de janeiro, tome decisões imediatas que dependem apenas do Executivo: o fechamento do campo de Guantánamo e das prisões secretas da CIA, a proibição do uso da tortura, o fim das transferências de prisioneiros para países onde eles são maltratados.
A organização americana de defesa dos direitos humanos Human Rights Watch (HRW) publicou dois documentos de recomendações ao presidente eleito: "A agenda dos direitos humanos" e "Combater o terrorismo de maneira justa e eficaz".
A novidade, para a Human Rights, ferrenha adversária de Bush, é que a organização agora está sendo ouvida pela equipe de Obama.
Não somente os conselheiros de Obama compartilham das opiniões da Human Rights, como não se passa um dia em Washington sem que personalidades que serviram ao governo republicano unam suas vozes aos apelos por mudanças radicais.
Na ultima semana, generais e almirantes aposentados submeteram à equipe de Obama propostas para terminar com a tortura, "essa mancha que suja os Estados Unidos da América", segundo eles.
Espera-se discurso presidencial forte e simbólico. No entanto, não se pode evitar obstáculos: em nenhum momento Obama tomou posição clara sobre a detenção preventiva de supostos terroristas.
Os defensores dos direitos humanos temem que nova lei venha a substituir Guantánamo.
"Existem diferentes planos de fechamento de Guantánamo. Se existe consenso sobre o fracasso do sistema dos tribunais militares, há debate sobre a oportunidade de conservar programa de detenção preventiva", afirmou Joanne Mariner, a responsável pelo departamento de terrorismo e contraterrorismo da HRW.
A detenção preventiva concebida pelo governo Bush demonstrou amplamente sua injustiça e sua ineficácia.
Guantánamo recebeu principalmente inocentes ou simples combatentes.
Sete anos após sua criação, de 250 homens ainda detidos somente três foram julgados culpados e 17 outros são acusados.
Mas diante da idéia de que é preciso "julgar ou libertar" os prisioneiros os responsáveis retrucam que os detidos contra os quais não há elementos suficientes para processo poderiam tornar-se inimigos dos EUA depois de libertos.
"É o problema da detenção preventiva. Muitos desses prisioneiros não cometeram crime algum. E há multidões de pessoas no Oriente Médio que fazem declarações incrivelmente agressivas contra os EUA. Devemos prender todas?", pergunta Mariner.
Sobre a tortura, o candidato Obama foi claro: "A tortura permite fazer inimigos, jamais vencê-los".
Os militares baniram a tortura das regras de interrogatório do manual de contra-insurreição de 2006.
Mas George Bush vetou a aplicação desses critérios na CIA.
"Os generais sempre foram contrários a essas políticas do governo Bush", lembra Jennifer Daskal, da HRW.
Segundo ela, o general Petraeus, então comandante das forças americanas no Iraque, disse claramente que a tortura não é somente imoral como contraproducente.
Mas se Barack Obama proibir o uso da tortura pela CIA também deverá tomar posição sobre a "deslocalização" da tortura.
O que farão os serviços de informação americanos quando seus aliados sauditas, egípcios ou paquistaneses torturarem prisioneiros e lhes fornecerem informações?
E será preciso resolver a questão das prisões secretas.
"A base americana de Bagram, ao norte de Cabul, é assustadora. Ignoram-se as identidades dos detidos e ninguém fala", afirma
Daskal.
"E o que dizer das prisões subterrâneas em Cabul, co-administradas com os serviços de informação afegãos? E os rumores persistentes sobre prisões secretas na Jordânia ou no Marrocos", acrescenta ele.
A guerra contra o terrorismo tem seus escândalos públicos e internacionais, como Guantánamo; tem também tem seus buracos negros.
É essa face ainda mais sombria da América que Barack Obama e sua equipe terão de enfrentar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Buscar neste site: