Clamores dos imigrantes

Cientista político francês aponta o Brasil como exemplo mais promissor de integração racial e desafia a Europa a tornar-se “imenso Brasil”
Artigo de D. Demétrio Valentini (foto), Bispo de Jales (SP)

O Fórum Mundial das Migrações, realizado na Espanha há duas semanas, quis conferir de perto “as vozes e os direitos” dos migrantes, e seus sonhos de “um mundo sem muros”.
Algumas constatações emergiram com evidência e mostraram como o fenômeno migratório é o termômetro mais sensível para medir as tensões existentes hoje no mundo.

Os milhões de migrantes, forçados a deixar seus países em busca de sobrevivência em outros lugares, mostram com toda a clareza, que não é mais possível construir ilhas de riqueza, enquanto permanecem continentes inteiros de pobreza.
Ou se busca desenvolvimento que beneficie o mundo todo, ou as desigualdades irão provocar tensões crescentes que inviabilizam a convivência entre os países.
Aos poucos vai ficando indispensável cultivar a dimensão planetária de todos os avanços.
Os benefícios das novas tecnologias precisam ir se estendendo ao mundo todo. Assim eles encontram o seu ponto de equilíbrio, e descobrem sua verdadeira finalidade, na medida que se mostram compatíveis com sua propagação a todos os países.

Assim, o planeta torna-se referência indispensável para aquilatar a validade da intervenção humana sobre a natureza.
Esta é outra constatação que o Fórum enfatizou: a vinculação do fenômeno migratório com o meio ambiente.
É’ todo o planeta que precisa se tornar habitável.
Quando massas humanas abandonam o lugar onde vivem, é sinal de que seu país vai ficando fora do circuito vital, por motivos que precisam ser identificados, para que se corrijam os equívocos cometidos.
A vinculação das migrações com o meio ambiente traz, ao mesmo tempo, severa advertência.
Se confirmados os efeitos do aquecimento global, em breve espaço de tempo acontecerão, inevitavelmente, as “migrações climáticas”, como advertiu o famoso sociólogo belga Padre François Houtart em sua intervenção na abertura do Fórum.
Em todo o caso, é evidente que a humanidade nunca constatou tantas mudanças climáticas em tão pouco espaço de tempo.
O sintoma mais evidente é o degelo polar e o derretimento das geleiras nas montanhas.
A urgência de estender a todo o mundo os benefícios equilibrados do desenvolvimento encontrou, nos fóruns até agora realizados, expressão utópica, em forma de anseio pelo estabelecimento de “cidadania universal”.
Lançada no primeiro fórum das migrações realizado em Porto Alegre, a idéia vai tomando consistência, ao mostrar que os direitos de qualquer pessoa não decorrem do lugar onde ela nasceu, mas de sua própria condição humana.

O Fórum denunciou com veemência os muitos muros que estão sendo construídos, como tentativa inglória de impedir as migrações ou ignorar suas causas.
O mais escandaloso deles é o muro de milhares de quilômetros que os Estados Unidos estão erguendo em sua fronteira com o México.
Mas além dele, existem o muro entre judeus e árabes; os muros que demarcam as fronteiras dos enclaves de Ceuta e Melila no norte da África; e os muros das embarcações que tentam impedir a entrada de africanos no continente europeu.
Não é construindo muros que se resolve o problema dos migrantes, mas diminuindo as desigualdades entre os países, e fortalecendo a solidariedade entre os povos.
Outro desafio é a integração dos migrantes.
Não basta fazer como a Inglaterra, que os cataloga, os diferencia, e os mantém segregados.
A humanidade precisa encontrar os caminhos de sua progressiva integração racial.
Neste sentido, surpreendeu a colocação de Sami Naïr, cientista político francês, ao apontar o Brasil como o exemplo mais promissor de integração racial, pela mestiçagem aqui realizada.
E não duvidou em desafiar a Europa, para que se torne “imenso Brasil”, através da progressiva integração dos migrantes em sua população.

Em todo o caso, não faz mal perceber que temos um recado importante a dar ao mundo, apesar de nossas desigualdades sociais: nossa válida experiência de integração racial.
Sem esquecer as condições históricas em que ela se realizou.

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