Ex-bispo católico Fernando Lugo é eleito presidente do Paraguai

Conheca o que pensa o homem que pôs fim a 61 anos de domínio colorado em seu país
O ex-bispo católico Fernando Lugo, da Aliança Patriótica para Mudança, ao eleger-se presidente do Paraguai, rompeu com mais de seis décadas de domínio do Partido Colorado no país.
"Estaremos abertos para construir a integração real da região, no continente e no mundo", disse o presidente eleito do Paraguai.
"Há alguns meses grupo de paraguaios sonhava que poderia juntar-se e colocar o país em primeiro lugar. Quero agradecer a todos os cidadãos paraguaios que, de maneira impecável, participaram das eleições ainda que temessem alguns anunciados atos de violência", afirmou Lugo.

O jornalista, escritor e poeta paraguaio Anuncio Martí, refugiado político no Brasil, sob a proteção do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) , afirmou que a eleição despertou o país de mais de 60 anos de pesadelo, proporcionado pela oligarquia paraguaia, liderada pelo Partido Colorado, que converteu o país em uma das regiões mais corruptas do planeta.
"Haveremos de recuperar nossa dignidade. Dignidade esta que desmente a banalização do do termo "paraguaio", hoje usado normalmente quando se busca sinônimos para palavras como pirataria, falsificações, contrabando, narcotráfico e outras ilegalidades que imperam no país, geradas por pequena elite mafiosa vinculada fundamentalmente a governos, às instituições do Estado e a políticos ao longo de mais de seis décadas de partido único, o Colorado".
Segundo Martí, o povo na mais terrível miséria e opressão, é vítima da rapina do intervencionismo estrangeiro e das oligarquias locais que seguem entregando as riquezas do país.
Martí disse que o Colorado fortaleceu-se depois do golpe de Estado do Stroessner, "o pior governante que o Paraguai teve, cuja ditadura sangüinaria prolongou-se por sete mandatos, com sucessivas eleições fraudulentas, de 1954 a 1989".
Lugo concedeu longa entrevista à revista paraguaia Punto, da qual reproduzimos os trechos a seguir:

Como enfrentar este aparato corrupto que hoje controla as estruturas institucionais, políticas, econômicas e sociais do Paraguai?

Nós temos consciência que não será fácil, porém, não será impossível.
O maior obstáculo será, por um lado, o confronto com estrutura eleitoral de fraude que tem 60 anos e é muito aperfeiçoada.
Por outro lado, há estrutura estatal identificada com o Partido Colorado. Por isso dizemos que a cidadania será a protagonista, o sujeito dessa mudança real que estamos gerando, sobretudo os grupos sociais, camponeses, rurais e também a classe política opositora do país.
O que queremos é que o povo tenha o poder e seja protagonista. Sempre dizemos que o inimigo, o adversário não será Blanca Ovelar (candidata do Partido Colorado) ou Lino Oviedo (candidato de um setor militar). Nosso inimigo é a corrupção. Teremos que vencer a pobreza e a ignorância. No dia das eleições, o grande desafio será romper 60 anos de fraude eleitoral.

Que mudanças o Sr. espera realizar?
Nossa visão é de mudar a história. É romper com mais de 60 anos de partido hegemônico que nem sequer representa mais seus princípios.
Há seis eixos que ocupam o mesmo nível de importância em nossa proposta de programa de governo: a reforma agrária, a reativação econômica, a recuperação da institucionalidade da República, a justiça independente, o plano de emergência nacional e a recuperação da soberania, especialmente da soberania energética.
A reforma agrária nunca foi feita. Há programa elaborado pelos próprios camponeses.
Não se trata somente de distribuir algumas terras. Reforma agrária é possibilitar cidadania, que as 300 mil famílias sem terra possam ter vida digna, com terra, crédito, assistência técnica, cultivo adequado, mercado justo e com todos os serviços.


De onde sairá o dinheiro?

Das reservas do Estado. O Estado paraguaio tem reserva de US$ 2,5 bilhões.
O programa de reforma agrária apresentado pelo movimento camponês requer US$ 150 milhões.
Outro tema importante é que vamos apoiar as pequenas empresas formadas de maneira cooperativa. Temos energia suficiente para fazer país industrial.

Vamos mudar as instituições públicas;
são 60 anos em que as instituições públicas têm sido de uma cor só e de único partido; voltarão a ser de todos os paraguaios.
Daremos a mesma prioridade à recuperação da soberania nacional e à soberania territorial.
O princípio da autodeterminação dos povos é inviolável, que temos respeitado, seguiremos respeitando e iremos respeitar no Paraguai.
Não se pode construir nova sociedade sobre o silêncio e o sobre o esquecimento. Somente com a Justiça.
No nosso plano de governo, propomos Justiça soberana, independente e autônoma. Hoje no Paraguai a Justiça não é garantia nenhuma.
Estão criminalizando as lutas sociais e camponesas.
A Justiça soberana e independente não é resultado de pacto político dos partidos para eleger os juízes membros das Cortes, mas sim que estes sejam os mais idôneos, os mais capazes.
Eu acredito que os organismos internacionais estão dispostos a nos ajudar para que possamos avançar nisto.

T
ema fundamental é a recuperação da soberania energética; isto põe a necessidade de reconsiderar os tratados das usinas de Yacyretá (com a Argentina) e de Itaipu (com o Brasil). O que vocês estão propondo a respeito?
Os tratados de Itaipu e Yacyretá são tratados leoninos, injustos, que quase não beneficiam o Paraguai.
Vamos exigir renegociação para dispor livremente de nossos excedentes hidrelétricos e receber preço justo por eles.
Exigiremos acesso técnico, sem custo adicional, da totalidade da energia que nos corresponde de Itaipu e de Yacyretá – segundo estabelecem os respectivos tratados –, e a eliminação de todas as dívidas espúrias.
Vamos discutir que o preço da energia seja o do mercado, e não o de custo, como se faz até agora.

Além disso, queremos a redução das taxas de interesse usurárias, a co-gestão efetiva na administração dos entes binacionais e a transparência na gestão, com livre acesso público à informação e o controle por parte dos entes de fiscalização pública dos países involucrados.
Incentivaremos a construção de redes de transmissão de grande tamanho, para assegurar o abastecimento interno do país, estimular o uso produtivo de nossa hidroeletricidade e possibilitar que seja o centro de interconexão elétrica do Mercosul, exportando sua hidroeletricidade a preços de mercado.
De todas as formas, eu penso que este tema pode ser visto somente do ponto de vista econômico, mas é necessário incluir no debate a questão ambiental.
Queremos garantir que o desenvolvimento econômico não se faça em detrimento do meio ambiente.
No Paraguai, somente a partir de 1996 as leis contemplam delitos sobre o meio ambiente. O desafio é como garantir o respeito ao ambiente, que é grande tema planetário.

A relação do Paraguai com o Brasil, a Argentina e o Uruguai está marcada por dívida histórica que significou a Guerra da Tríplice Aliança. O que representa esta questão em relação à integração de nossos povos?
Acredito que há releitura e reinterpretação da história. Há reconhecimento da dívida histórica com o Paraguai. acreditamos na Justiça.
O Paraguai deveria voltar a ocupar lugar que ocupava: o país mais desenvolvido, o mais unido, que tinha um projeto econômico diferenciado.
O Paraguai tem potencial humano, econômico e riquezas naturais para voltar a ocupar o lugar que possuía.
O reconhecimento que os países vizinhos podem dar a esta dívida histórica é simplesmente o que, por questão de Justiça, corresponde ao país. Faremos governo aberto ao continente e ao mundo.
Aberto às tendências, mas com nossa identidade bem marcada. Abertos ao Mercosul, a integração com mais eqüidade social, com mais simetria.
O Paraguai não vai ajoelhar-se diante de ninguém. Recuperaremos nossa dignidade como Nação. Nossas pequenas grandes diferenças conversaremos como vizinhos, com amizade, solidariedade, de igual para igual. Nos uniremos com alegria aos governos progressistas da América Latina.
Temos muito que aprender com nossos irmãos, dos países vizinhos, Argentina, Brasil e Uruguai. É muito o que temos para aprender com a Bolívia. É país que criativamente está fazendo novo caminho.


O que significaria triunfo de Fernando Lugo para o cenário político latino-americano?

O Paraguai vai mudar de imagem. Em primeiro lugar não será o país mais corrupto da América Latina. Será o país mais honesto.
Com administração transparente, governo de credibilidade e legitimidade, governo pluralista, popular, com participação cidadã. Isto permitirá ao país cobrar o lugar que lhe pertence. Lugar que coloque em igualdade de condições para conversar com todos, de igual para igual; e ser protagonista no processo de integração latino-americano.
Temos elemento de desenvolvimento para a integração que não se deve descartar: a energia. O Paraguai é o único país que tem reservas de energia e que tem superávit de energia na região. Acredito que isso nos dá potencial para negociar com os países vizinhos e, ao mesmo tempo, ser escutado no concerto das nações como país que pode aglutinar, unir e que pode ter espaço preponderante no desenvolvimento e na integração do continente.

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