Eurodeputada Ana Gomes (foto) diz que há dados suficientes para que seja determinado inquérito político contra governos portugueses desde 2002
Da redação, com dados da Agência Lusa
A organização não-governamental britânica de direitos humanos Reprieve processará o governo português se não houver colaboração na investigação do envolvimento de Portugal em criminosas transferências de presos do Oriente Médio para a base de Guantánamo, em Cuba, por parte da CIA, o serviço de informação e espionagem dos EUA, e do Pentágono, órgão de segurança militar do país.
A informação é do advogado Clive Stafford Smith (foto abaixo), diretor da Reprieve, organização criada por advogados, em 1999, para prestar representação legal a prisioneiros políticos que enfrentam a pena de morte, sobretudo nos Estados Unidos.
Em entrevista a correspondentes estrangeiros, na Ordem dos Advogados de Portugual, dia 3 último, em Lisboa, Smith disse não haver dúvidas de que houve cumplicidade do governo português com a CIA, no transporte de presos suspeitos políticos.
A Reprieve já havia divulgado, em janeiro, relatório informando que mais de 700 presos foram ilegalmente transportados para Guantánamo, com a ajuda de Portugal e, pelo menos, 94 vôos operaram em território português, entre 2002 e 2006.
Smith pretende que as autoridades portuguesas forneçam dados para ajudar a defesa de prisioneiros ilegais em Guantánamo.
"Não estou aqui para acusar ninguém do governo, mas é obrigação de todos cooperarem quando seres humanos enfrentam ilegalmente a ameaça de pena de morte, sobretudo em lugar como Guantánamo", afirma ele.
Smith iniciou a entrevista coletiva revelando ter dupla nacionalidade, britânica e americana, e pediu desculpa pelo que considerou a "atividade criminosa do governo norte-americano" no combate ao terrorismo.
O presidente da Ordem dos Advogados de Portugal, António Marinho Pinto (foto), disse que a entidade apoiará a Reprieve com advogado como assistente do processo ou advogado de um dos suspeitos. Marinho Pinto afirmou que a Ordem tem a certeza de que os presos de Guantanámo não tiveram respeitados os "mais elementares direitos de defesa de qualquer país civilizado, mormente os direitos reconhecidos no país que os tem detidos, os Estados Unidos da América".
Segundo ele, a Ordem não afirma que Portugal foi utilizado para trânsito de presos de Guantánamo, mas também não nega.
"Aceitamos todas as contribuições que possam ajudar-nos a esclarecer a situação. Podemos estar na presença de um dos mais abomináveis crimes de Estado cometidos contra o ser humano", declara ele, acrecentando que "o combate ao terrorismo não pode ser feito a qualquer preço e tem de respeitar regras e princípios".
A eurodeputada portuguesa Ana Gomes (foto) diz que as investigações do Ministério Público (MP) no âmbito do inquérito sobre vôos da CIA em Portugal mostram que o relatório da Reprieve é relevante.
Em declarações à agência Lusa em Bruxelas, Ana Gomes defende que as investigações do MP, baseadas nos dados da organização britânica, aliada à reviravolta no Reino Unido, que reconheceu a utilização do seu território para a transferência ilegal de prisioneiros, são elementos mais que necessários para que o governo português pare de negar o acontecido e reflita sobre a necessidade de abrir inquérito político.
A deputada afirma que uma das operações em território britânico foi o vôo civil de avião Gulfstream com a matrícula N-379, também conhecido como "Guantánamo Express", que reabasteceu em Diego Garcia em 13 de setembro de 2002, no dia seguinte passou por Rabat e no dia 15 pousou no Porto, de onde saiu em 17 de setembro, com destino a Cabul.
Ana Gomes, que fez parte da comissão temporária do Parlamento Europeu que averiguou os "vôos da CIA", lembra que pediu informações sobre esse vôo, por ser particularmente suspeito: o avião tinha a bordo cinco prisioneiros.
Para Ana Gomes, chegou o momento de ser determinado inquérito político em Portugal.
O Parlamento português entrou no debate e discute a criação de comissão parlamentar de inquérito (CPI).
A proposta de CPI foi apresentada pelo Partido Comunista Português (PCP) e pelo Bloco de Esquerda (BE), ambos de oposição.
O Partido Socialista (PS), governista e com maioria no Congresso, é contra a CPI.
"O PS vai derrubar a proposta", disse à Agência Lusa o vice-presidente da bancada, Ricardo Rodrigues.
O caso dos "vôos da CIA" teve início em novembro de 2005, quando o jornal norte-americano Washington Post revelou a existência de prisões secretas da CIA em vários pontos do mundo.
O transporte ilegal de prisioneiros suspeitos de terrorismo e os chamados "vôos da CIA" , segundo o Parlamento Europeu, foram prática da CIA/Pentágono corrente na Europa, desde os atentados de 11 de setembro nos Estados Unidos.
"É preciso apurar responsabilidades dos sucessivos governos portugueses nessses atos criminosos, desde 2002, envergonhando Portugal, porque se trata de questão de direitos humanos", diz a deputada Ana Gomes.
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