Estarrecedoras operações da CIA entre 1950 e 1970

Documento intitulado 'Jóias da família' mostra a agência de informação e espionagem como sindicato do crime organizado

Frei Betto, frade dominicano, escritor


O que acontece quando crimes hediondos são praticados pelo governo de país que se orgulha de ser o paladino da democracia e da liberdade? Seus admiradores emudecem de vergonha?
Se tais atrocidades fossem cometidas pelos governos de Chávez ou de Fidel mereceriam manchetes garrafais; seriam a prova contundente de que não têm escrúpulos, violam os mais elementares princípios de civilidade, agridem os direitos humanos.

Parte dessa história macabra, que envolve o conluio entre o Estado e o crime organizado, começa a vir à tona.
Pressionado pela opinião pública, o governo dos EUA divulgou, na última semana de junho, o documento de 693 páginas curiosamente intitulado “Jóias da família”, concernente às operações da CIA entre 1950 e 1970.
É de estarrecer.
A agência de informação e espionagem aparece como sucursal do sindicato do crime, dedicada a praticar assassinatos; escutas telefônicas e violação de correspondência ilegais; uso de seres humanos como cobaias involuntárias em testes de medicamentos; vigilância de jornalistas e personalidades, como Jane Fonda, contrárias à guerra do Vietnã.
Em 1960, a CIA decidiu assassinar Fidel Castro, o que já é grave por tratar-se de iniciativa de uma instituição do Estado.
Contratou, para tanto, um mafioso, Johnny Roselli.
A CIA prometeu a Roselli US$ 150 mil pela morte de Fidel, pois a Revolução afetava os interesses dos EUA na Ilha.
O mafioso usou “laranjas” para envenenar Fidel. Todas as tentativas fracassaram.

A CIA planejou também o assassinato de Patrice Lumumba, líder anticolonialista do Congo, em janeiro de 1971.
Ele havia sido eleito primeiro-ministro em 1960.
Recorreu ao apoio da União Soviética quando a província de Katanga, rica em minérios, declarou sua independência, num movimento separatista apoiado pelas potências ocidentais; golpe de Estado o derrubou.
Ao fugir da prisão domiciliar, Lumumba foi capturado, espancado, levado de avião para Katanga, fuzilado, e seu corpo derretido em ácido.

A CIA preparou ainda a emboscada que, numa estrada da República Dominicana, metralhou o ditador Rafael Trujillo, em maio de 1961.
Participou também da eliminação, em 1970, do general chileno René Schneider, como parte de uma conspiração no intento de impedir a posse do presidente Salvador Allende.
Tudo isso revelado no relatório do governo dos EUA!
A CIA e seus métodos criminosos prosseguem ativos, sob as bênçãos de Bush: seqüestros de supostos terroristas pelo mundo afora, levados para prisões secretas na Europa Central e no Egito, onde sofrem torturas; a utilização da base naval de Guantánamo como cárcere vedado a qualquer norma jurídica; a eliminação de líderes populares no Iraque e no Afeganistão etc.
O documento “Jóias da família” revela ainda que, no Brasil, a CIA espionou, nos anos 60, a Igreja Católica, mapeando as tendências ideológicas de padres e bispos. Após o golpe de 1964, acusou Brizola de ter recebido dinheiro da China e de Cuba para implantar guerrilha no sul do país.

“Jóias da família” comprova o que todos já sabiam: o governo dos EUA deu apoio político, bélico e material ao golpe militar de 1964.
Lincoln Gordon, então embaixador no Brasil, recebeu o respaldo direto do presidente Lyndon Johnson, e recomendou à Casa Branca “tomar medidas o mais brevemente possível para a entrega clandestina de armas, que não sejam de origem dos EUA, para forças partidárias de Castello Branco em São Paulo”.
As armas, a serem desembarcadas de um submarino, seriam utilizadas por “unidades paramilitares trabalhando com grupos militares democráticos, ou por militares amigos contra militares hostis, se necessário”.

Se o documento da CIA mereceu pouco destaque na mídia, por que tanto alarde frente ao fato de Chávez decidir, respaldado pelas leis venezuelanas, não renovar a concessão de RCTV, e tanto silêncio quando a FCC (sigla em inglês de Administração Federal de Comunicações), órgão do governo dos EUA, fechou 141 concessionárias de rádio e TV entre 1934 e 1987?
Em pelo menos 40 casos, a FCC sequer aguardou expirar o prazo da concessão, ao contrário do que fez Chávez na Venezuela.

Em julho de 1969, a FCC revogou a concessão da WLBT-TV; em 1981, da WLNS-TV; em abril de 1998, da rádio Daily Digest.
Só na década de 80 ocorreram dez casos de não renovação.
Na Inglaterra, a autoridade estatal decretou, em março de 1999, o fechamento temporário do MED TV, canal 22; em agosto de 2006, revogou a licença da ONE TV; em janeiro de 2004, da Look 4 Love 2; em novembro de 2006, da StarDate TV 24; e em dezembro de 2006, do canal de televendas Auctionworld.
Em nenhum desses casos se ouviram protestos semelhantes aos causados pela decisão de Chávez.
A União Internacional de Telecomunicações (UIT) reconhece o direito soberano de cada governo “regulamentar suas telecomunicações, tendo em conta a importância crescente das telecomunicações para a salvaguarda da paz e do desenvolvimento econômico e social dos Estados”.

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