Peso do complexo militar-industrial no poder dos EUA

Para cientista político sul-americano, Barack Obama é sócio menor de coalizão em que se aglutinam forças assombrosamente superiores às suas e para as quais guerras e saque imperialista são fontes de fabulosos ganhos

O presidente eleito Barack Obama será empossado no cargo em menos de um mês, mas está a anos luz longe de ter conquistado o poder, na opinião do cientista político argentino Atílio Boron (foto), professor da Universidade de Buenos Aires e secretário-executivo do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso).
Segundo ele, Obama é sócio menor de coalizão em que se aglutinam forças assombrosamente superiores às suas e para as quais as guerras e o saque imperialista são as fontes de fabulosos ganhos.
"Nenhum presidente conseguiu dobrar tais forças, e nada faz pensar que o resultado dessa vez possa ser diferente", afirma o professor.
Boron diz que Obama continua desencadeando enxurrada de notícias e conjecturas jornalísticas acerca das grandes mudanças que poderão produzir-se como resultado da sua posse.
"Apesar do significado que envolve o fato de afro-descendente chegar à presidência dos EUA, o certo é que a importância atribuída ao resultado da eleição do dia 4 de novembro mantém-se largamente exagerada. Ignora-se – ou se oculta – que as mudanças já se produziram e que, longe de ser produto das eleições, foram conseqüência do brutal estouro da mais grave crise geral do capitalismo dos últimos 80 anos. Em outras palavras, independentemente de quem tivesse sido eleito presidente, as mudanças em direção de menos mercado e mais regulação estatal ou menos liberalismo e mais intervencionismo governamental teriam ocorrido. Porém, é muito pouco provável que tais mudanças traduzam-se em desmilitarização da cena internacional", diz o professor.
A seguir, o pensamento de Boron sobre o poder nos EUA, a América Latina e seu processo de globalização e os governos da Argentina, Brasil, Uruguai e Venezuela.

Complexo militar-industrial dos EUA
A figura do presidente dos EUA é muito mais frágil do que aparenta, independente de quem quer que seja.
Na realidade, os poderes do presidente encontram-se cada vez mais reduzidos pelo incessante fortalecimento do complexo militar-industrial, cuja influência econômica, política e inclusive espiritual estendia-se por tabela, até alcançar as agências do governo federal.
O potencial para crescimento desastroso deste poder fundado na aliança entre imenso aparato militar e a não menos significativa indústria armamentista era ameaça às liberdades e à democracia nos EUA.
Na época em que cunhou esta frase, janeiro de 1961, tais poderes na prática eram apenas incipientes: o orçamento militar dos EUA equivalia ao de punhado de outras nações desenvolvidas.
Na atualidade, cresceu exorbitantemente e equivale ao gasto em armamentos de todo o resto do planeta.
Esse complexo entrelaçou-se com outros setores da economia, em tal grau que sua gravitação conjunta, unida ao fenomenal custo das campanhas políticas, faz dos ocupantes da Casa Branca presas fáceis de seus interesses.

Triângulo do poder nos EUA
Seguindo os estudos pioneiros de C. Wright Mills, o cientista político mexicano John Saxe-Fernandez comprovou que quem realmente manda nos EUA é "triângulo do poder", composto por:
a) a Casa Branca, especialmente os departamentos de Defesa, Energia, Tesouro e Estado, a NASA e o enxame de aparatos de inteligência, integrados ao gigantesco Departamento de Segurança Nacional;
b) as grandes corporações, sobretudo as vinculadas à produção para a defesa, as indústrias aeroespaciais, de petróleo e gás, incluindo os grandes laboratórios, instituições de investigação, as câmaras empresariais e alguns sindicatos;
c) os comitês chaves do Congresso, especialmente pelas Câmaras de Representantes e do Senado em Energia e Recursos Naturais, as Forças Armadas e diversos sub-comitês dedicados aos principais setores da vida econômica.
Nos EUA, como na América Latina, segue sendo válida essa distinção entre chegar ao governo e tomar o poder. Obama chegou ao governo, mas está a anos luz de ter conquistado o poder (no caso de que tenha se proposto).
É sócio menor de coalizão em que se aglutinam forças assombrosamente superiores às suas e para as quais as guerras e o saque imperialista são as fontes de seus fabulosos ganhos. Nenhum presidente conseguiu dobrar tais forças, e nada faz pensar que o resultado dessa vez possa ser diferente.

América Latina face à globalização
A forma de globalização que temos hoje não é a única possível; ou seja, o formato dessa globalização obedece a repartição do poder mundial imposta pelo capital financeiro, pelos países mais ricos, pelas classes dominantes dos nossos países da América Latina.
Porém, os que estudam esse tema sustentam, com razão, que é possível outra forma de globalização.
O pior, no movimento que propomos a essa globalização, seria nós nos retirarmos dela.
O que significaria voltar ao passado.
Isso é absolutamente impossível.
É como se na época da Revolução Industrial quiséssemos voltar às velhas formas de produção da época pré-industrial.
É impossível voltar atrás; a globalização chegou para ficar.

Modelo alternativo de globalização
Globalização solidária, que preserve o ambiente, a natureza e o planeta Terra.
Que uniformize os direitos sociais e trabalhistas de todos os homens e mulheres. Isso depende de uma correlação de forças, neste momento.
Em outro plano, tem-se a experiência da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) na América Latina, que tenta impor essa globalização quase como estatuto constitucional.
E tem como outra possibilidade a Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba), proposta pelo presidente venezuelano Hugo Chávez.
Assim, é possível estabelecer esquema altamente globalizado, de intercâmbio de produtos, mas em lógica não mercantil; de solidariedade concreta, não retórica.
Ou seja, quando Chávez disse: "Vou garantir aos países do Caribe petróleo abaixo do preço internacional, porque o combustível tem que ser elemento civilizatório que permita a todos viver melhor", está demonstrando que os países podem dar um passo muito importante nessa direção.
Se ele fosse acompanhado com essa mesma força pelo Brasil, pela Argentina e pelo México, as mudanças na América Latina seriam enormes.
Essa é uma das direções alternativas para a globalização.
Governos da Argentina, Brasil, Uruguai e Venezuela
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sobretudo no terreno da política econômica, é um dos mais neoliberais da região, muito mais do que os da Argentina e do Uruguai.
Mas esses três governos não estão acompanhando a proposta do presidente venezuelano Hugo Chávez.
A relação entre o Brasil e a Venezuela é estratégica para o continente.
E o Brasil ganharia muitíssimo fortalecendo essa relação.
Mas, como os Estados Unidos não querem, e o Brasil presta muita atenção nos capitalistas que dominam a economia mundial... em vez de avançar decididamente no aprofundamento das relações com Chávez, o país anda com muito lentidão neste sentido.
Brasil, Argentina, Uruguai e Venezuela é que deveriam ser realmente parceiros fortes, mas caminham muito lentamente nesta direção.

Controle da informação na América Latina
A lentidão na integração dos países latino-americanos tem a ver com o controle das informações que criam instabilidade na sociedade.
Os meios de informação na América Latina, são quase todos dominados pelos setores mais reacionários de nossos países.
O objetivo fundamental desses veículos não é informar as pessoas, nem fazer com que pensem; ao contrário.
Por isso, o linguista estadunidense Noam Chomsky, em vez de dizer meios de informação de massas, fala de meios de desinformação das massas.
O objetivo é desinformar; a mídia desinforma com notícias que não interessam a ninguém, além de esconder as mais importantes; ou dá informação parcial.
Na medida em que os EUA, controlando essa mídia, consideram a Venezuela e as outras forças progressistas da América do Sul inimigos, isto exerce efeito paralisante sobre os governos que não têm vocação séria de mudanças.
Tenho grandes dúvidas de chamar esses nossos governos da América do Sul de democráticos; são mais plutocracias (governo dos ricos) e oligarquias (governo de alguns).
São governos que surgem do sufrágio universal, mas que representam os interesses das minorias endinheiradas, que governam para estas minorias.
Não é acidente da divina providência que o capital financeiro dos grandes bancos no Brasil obtenha os maiores lucros da sua história; foi obra de homens, de governos que optaram por favorecer os lucros dos banqueiros.

Mudança e pressão popular
Na América Latina, nos últimos anos, as mudanças importantes não foram produzidas pelas vias institucionais, mas quando a gente saiu às ruas.
Como foram as Diretas Já e a derrubada do ex-presidente Fernando Collor de Melo, no Brasil.
Ou a saída do ex-presidente Alberto Fujimori, no Peru.
Três presidentes foram derrubados por mobilizações populares no Equador.
Dois presidentes cairam, na Bolívia, por pressão popular.
O mesmo ocorreu com saída de Fernando de la Rua, na Argentina.
Tudo feito pelas massas.
Isso revela que na América Latina a institucionalidade política não tem nenhuma eficácia para resolver as crises.

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