Dirigentes do Partido Colorado pressionam por permanência no controle do Paraguai

Jornalista Anuncio Martí (foto), exilado no Brasil, após ter sido seqüestrado e torturado em Assunção, alerta em relação a "criminosos do antigo governo que não abrem mão do poder"

Mario Osava
Da agência Inter Press Service-IPS

"A organização criminosa e mafiosa em que se converteu o Partido Colorado do Paraguai, durante 61 anos de governo, tenta seguir poderosa, em que pese a sua derrota eleitoral em abril", afirma o jornalista e escritor exilado no Brasil, Anuncio Martí, que vive, desde 2003, em cidade brasileira como refugiado político, situação que divide com dois de seus companheiros do Partido Pátria Livre (PPL), Juan Arrom e Víctor Colmán.
Martí, que foi seqüestrado e torturado em janeiro de 2002 em Assunção por grupo policial-militar vinculado ao governo colorado, comemorou o triunfo de Fernando Lugo, bispo católico progressista eleito presidente do Paraguai, em 20 de abril.
Porém o ativista conserva mistura de esperança e temores.
Para ele, o resultado eleitoral é importante avanço democrático, mas, por força de dirigentes do Partido Colorado, que não querem ceder o poder, pode não dar início a processo real de mudança.

"Esperamos pelo menos que acabe a criminalização da luta social e dos movimentos populares, para que se possa iniciar a construção de democracia participativa", diz.
As reservas de Martí sobre governo popular que surge derivam em parte de sua própria experiência.
No dia 17 de janeiro de 2002, Martí e Arrom foram seqüestrados no centro de Assunção e brutalmente torturados durante quase duas semanas por grupo de 15 policiais, militares e agentes judiciais, em local clandestino.
"Vínhamos de luta contra a ditadura do general Alfredo Stroessner (1954-1989) e baixamos a guarda, depois de sua derrocada", admitiu Martí.
Segundo ele, seu grupo de militantes fundou o Pátria Livre, como movimento de orientação marxista e de inspiração latino-americana.
"Terminada a ditadura militar, não acreditávamos que se manteriam os centros de tortura. Aprendemos com a experiência, que por sorte sobrevivemos, mas muitos não sobreviveram", diz.
Martí e Arrom foram resgatados por familiares e ativistas de direitos humanos que se mobilizaram durante duas semanas e conseguiram descobrir, no dia 31 de janeiro, a casa onde se encontravam detidos, nas redondezas de Assunção.

Martí e Arrom: fim de cativeiro
Diante do cerco de familiares e jornalistas alertados, os seqüestradores fugiram, abandonando ali os dois seqüestrados.
Ambos deixaram o cativeiro muito feridos e necessitando de tratamento hospitalar.
Dois anos mais tarde, já exilados no Brasil, Arrom teve que submeter-se a cirurgia para corrigir seqüelas lombares; cortes nos punhos foram as marcas mais evidentes em Martí.
As torturas foram sobretudo golpes desferidos com ferros, socos e armas de fogo; ainda houve o afogamento com sacos plásticos e sob a água", conta Martí.
A intenção era fazer desaparecer com os dois, mas ambos sobreviveram porque os seqüestradores não entraram em acordo sobre a forma de execução.
"O grupo para-militar atuava sob as ordens do governo, então presidido por Luis González Macchi", denuncia Martí.

No terceiro dia após o seqüestro de Martí e Arrom, o Ministério do Interior divulgou que os dois eram responsáveis pelo rapto e extorsão de mulher da elite paraguaia e que estavam foragidos.
Realizou-se então simulação de operação policial para procurá-los na fronteira com o Brasil.
Arrom denunciou que dois ministros propuseram-lhe assinar declaração assumindo que o movimento Pátria Livre e outras forças opositoras preparavam golpe de Estado, como condição para deixar-los em liberdade fora do Paraguai.

"Quiseram fazer-nos de bode expiatório em grande cruzada contra os chamados terroristas no Paraguai e para intensificar a repressão aos movimentos populares", acrescenta Martí, recordando que os acontecimentos são posteriores ao atentado de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos, que serviu de pretexto para intensificar a repressão as lutas sociais em muitos lugares do mundo.
"Além disso, o governo dos EUA sempre sustentou que a Tríplice Fronteira, entre Paraguai, Brasil e Argentina, é centro de terrorismo internacional", lembra Martí.
Em 2002, houve ofensiva contra o Pátria Livre, com outros três militantes detidos e torturados, entre eles Víctor Colmán, que também refugiou-se no Brasil com Arrom e Martí, em 2003.
O Pátria Livre foi acusado de ser o braço paraguaio da guerrilha das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), por suas campanhas de solidariedade com a Revolução Cubana e seu apoio as tentativa de negociar a paz na Colômbia, que vive quase meio século de guerra interna, assinalou Martí.

A partir do escândalo desatado pelo seqüestro de Arrom e Martí, renunciaram os ministros paraguaios Julio Fanego, do Interior, e Silvio Ferreira, da Justiça e Trabalho, que haviam proposto o acordo a Arrom.

Também foram destituídos chefes policiais e se dissolveu o Serviço Nacional de Informação.

Legisladores acusaram o presidente González Macchi e o fiscal geral do Estado, Oscar Latorre como responsáveis pelos seqüestros e torturas de Martí e Arrom e por outras atividades paramilitares ilegais contra políticos de oposição no Paraguai.

Mas ninguém foi condenado pela Justiça.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos estabeleceu medidas cautelares de proteção para os membros do movimento Pátria Livre.

O caso foi denunciado a Corte Interamericana de Direitos Humanos, que ainda não adotou a decisão.
Segundo Martí, a experiência indica que a máfia criminosa colorada, que, ao longo de mais de 60 anos. enriqueceu grupo pequeno de famílias paraguaias e levou o país à extrema miséria e corrupção, mantém-se forte na oposição e no controle do Judiciário, de parte do Legislativo e da mídia (rádio, tv e jornais), ameaçando o sonho nascido nas eleições.

"Tudo depende de organizações sociais e populares conseguirem orientar o rumo do governo de Lugo", diz Martí.
O atentado de 8 de abril, deste ano, que deixou ferido
Alfredo Ávalos, dirigente do Movimento Popular Tekojoja, que apóia Lugo, e no qual morreu a esposa de Ávalos, a brasileira Silvana Rodríguez, indica que a violência "dos criminosos colorados segue marcando a política paraguaia", alerta Martí.

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