Mas divergências sobre emissão de moedas, banco central único e regime monetário comum emperram integração
Pedro Raffy Vartanian
Economista, consultor do Núcleo de Negócios Internacionais da Trevisan Consultoria, professor da Trevisan Escola de Negócios e da Universidade Presbiteriana Mackenzie
A assinatura do Tratado de Assunção pelos presidentes da Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, em 1991, marcou a constituição e regulamentação do Mercosul.
Mesmo sendo complementado por tratados posteriores, como o Protocolo de Brasília e o Protocolo de Ouro Preto, o Tratado de Assunção contemplou questões importantes em processo de integração regional, como a redução tarifária progressiva dos países membros; a coordenação de políticas macroeconômicas; o estabelecimento de uma Tarifa Externa Comum (TEC); a implementação de regime de origem de produtos; e mecanismos de solução de controvérsias.
Desde então, as economias do Mercosul passaram por profundas transformações.
A estabilização dos preços, a experiência com regimes cambiais rígidos ao longo dos anos 1990, as crises internacionais (mexicana, asiática, russa e, recentemente, a crise americana), a transição para regimes de câmbio flutuante e a experiência macroeconômica de controle da inflação sem a âncora cambial, além de período de forte crescimento econômico mundial com expansão do grau de abertura das economias, elevação das exportações e das reservas internacionais.
Ao longo destes anos, muito discutiu-se sobre a coordenação macroeconômica entre os países do Mercosul.
Com o regime de convertibilidade argentino e a utilização das bandas cambiais no Brasil, na década de 1990, as condições para o processo de coordenação estavam dadas.
Por coordenação macroeconômica entende-se, em conceito mais amplo, a redução das divergências entre os indicadores nacionais, como as taxas de inflação, desemprego e crescimento monetário; e a escolha de metas e objetivos consistentes aplicados por governos nacionais no que diz respeito às políticas monetária, cambial e fiscal.
A cooperação entre os países torna-se importante uma vez que as decisões de política econômica propagam-se de forma conjunta e podem aumentar o bem estar coletivo.
A mudança do regime cambial brasileiro, em janeiro de 1999, praticamente pôs fim ao processo de integração econômica, não somente pelo impacto nas relações de preços entre produtos brasileiros e demais países do bloco, como também em termos de utilização de regimes cambiais completamente distintos.
A partir de 1999, a moeda passou à livre flutuação no Brasil, enquanto era fortemente rígida em outros países, como na Argentina, que defendia o peso com elevados custos econômicos.
Foi questão de tempo para que os demais países mudassem seus regimes cambiais.
A insustentabilidade de regimes de câmbio rígidos, como o currency board argentino, obrigou todos os países do Mercosul a permitirem a flutuação das moedas.
Os quatro países do Mercosul têm, como política cambial, regimes de câmbio flutuante, o que teoricamente facilitaria eventual coordenação macroeconômica.
As evidências de coordenação macroeconômica, entretanto, são desfavoráveis.
Considerando regime cambial e patamares de variáveis, como inflação e taxa de juros, e apesar da constatação de que todos os países optaram por regimes de câmbio flutuante após a adoção de regimes mais rígidos, somente o Brasil adotou um regime de flutuação cambial independente, enquanto os demais países do Mercosul praticam um regime de flutuação administrado.
Além disso, o regime monetário também é distinto, já que a economia brasileira implementou regime de metas para a inflação, enquanto Argentina e Uruguai adotaram metas monetárias e o Paraguai, metas cambiais, o que afeta, distintamente e de forma inequívoca, a condução da política monetária e o comportamento das principais variáveis macroeconômicas.
Outra fonte de preocupação refere-se à chamada senhoriagem, que é o ganho dos governos com a emissão de moeda, tendo em vista que a necessidade de financiamento por endividamento é menor quanto maior a emissão monetária por parte do governo.
Estimativas dos ganhos de senhoriagem para os países do Mercosul, que podem se transformar em perdas não somente no início do processo de convergência macroeconômica, mas principalmente após a integração, já que com uma moeda única não há receitas de emissão para os governos, demonstraram que há profundas divergências entre as economias, o que implica maiores custos para coordenar.
Adicionalmente, a institucionalidade da política monetária dos países membros mostra que os gestores não estão habituados com bancos centrais independentes, o que indica mais custos em termos de coordenação, já que ela deveria ser subordinada a um conselho ou órgão supranacional – um banco central único e independente.
As divergências verificadas podem se constituir como entraves à integração, pois aumentam os custos de ingresso em bloco econômico.
A necessidade de coordenação que antecederia a implementação de um regime monetário comum para os países implicaria abandono do regime de metas para a inflação pelo Brasil ou do regime de metas monetárias pelo Uruguai e Argentina ou, ainda, das metas cambiais pelo Paraguai.
Somam-se a isso as perdas acentuadas de senhoriagem, que afetariam as economias de forma distinta, e a inexperiência dos gestores de política econômica com bancos centrais independentes.
Diante de tantas divergências, o cenário para a integração do Mercosul mostra-se inegavelmente pouco promissor.
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